14 de mai. de 2008

Resenha - O nascer de uma lenda

Quase dois séculos após ter sido publicado pela primeira vez, Frankenstein ou O moderno Prometeu (1818) da britânica Mary Shelley continua a assustar e fascinar leitores de todas as idades, além de continuar a influenciar quase todos os autores do terror moderno. O livro, inicialmente publicado sem o nome da autora após dois anos de ter sido escrito, teria duas republicações, em 1823 e 1831, após revisões, adição de um prefácio e mudanças feitas pela autora até chegar a sua edição definitiva.
A história pode ser geometrizada como duas linhas que possuem alguns pontos em comum. Na primeira linha narrativa, a principal personagem é o capitão R.Watson, que através de cartas a sua irmã na Inglaterra conta suas aventuras em um navio explorador com destino ao Pólo Norte. A segunda linha é o Doutor Victor Frankenstein, um brilhante cientista de Genebra, que após o fracasso em uma de seus experimentos, corre o mundo para destruir o mal que criou para seus semelhantes. As linhas se encontram quando o navio de R.Watson encalha no mar congelada e logo após o descongelamento, resgatam o Doutor Victor Frankenstein que conta a sua história para R.Watson, que transcreve para a sua irmã. E assim como acontece na geometria, Watson e Frankenstein se afastam novamente, deixando Watson como personagem principal mais uma vez.
Esse processo de se criar uma história inicial-final (R.Watson), que acaba servindo de moldura para a principal (Victor) é chamada de narrativa moldura e é uma das principais características do terror gótico, movimento que Frankenstein é um dos percussores. Outros livros do movimento são O médico e o Monstro (1886) de Robert Louis Stevenson, O retrato de Dorian Gray ( 1891) de Oscar Wilde e Drácula (1897) escrito por Bram Stoker, onde novamente o leitor primeiro é introduzindo num universo intimista para depois ser assustado com as descrições quase realistas.
O mundo criado por Shelley rendeu inúmeras adaptações nas mais diversas mídias, apesar disso, seria na sétima arte que a obra de Shelley ganharia suas maiores adaptações, mesmo com algumas modificações. A primeira delas foi filmada em 1910 pelo inventor Thomas Edison, porém seria na versão de 1931, dirigida por James Whale, que o monstro tomaria as formas definitivas no imaginário popular: cabeça chata, parafusos no pescoço e na cabeça e extremamente lento e burro, mesmo com o livro não revelando detalhes da anatomia da pesquisa de Victor, que é narrado como “extremamente ágil” por Shelley.
Outra “falha” criada devido ao grande número de adaptações que o livro recebeu é em relação ao nome da Criatura ou Monstro, filho da pesquisa do doutor Frankenstein. Para a grande maioria das pessoas, o nome do monstro é Frankenstein, porém em nenhum lugar do livro Victor ou qualquer personagem dá um nome à Criatura, mas para alguns leitores e críticos o monstro “herda” o sobrenome de seu criador uma vez que vêem em Victor o “pai” e “mãe” da criatura.
Nos anos seguintes, Frankenstein voltaria às telonas em outros filmes que pouco respeitariam o enredo original. Por exemplo, Frankenstein se depara com outros monstros clássico na versão de Frankenstein Encontra o Lobisomem (1943) ou no mais atual Van Helsing (2004) . Peter Cushing, dirigido por Terence Fischer, dá nova vida ao monstro em Frankenstein tem que ser Destruído (1967), onde Victor Frankenstein é reduzindo a um lunático chantagista atrás de mortos para seus experimentos. O monstro também mal aparece em: Frankenstein(1984), de James Ormerod, onde a beira da morte, Victor Frankenstein conta sua vida a um padre e Gothic(1987) de Ken Russell que conta a noite que Shelley deu vida a sua obra-prima. Essa seria também o roteiro usado para a filmagem de Frankenstein de Mary Shelley ( 1994), onde Robert De Niro dá voz ao monstro.
Ao todo, 14 filmes possuem alguma relação direta com a obra. Isso sem contar relações indiretas, como Edward Mãos de Tesoura (1990), do Tim Burton. O livro virou até novela de televisão e foi apresentado no SBT.
Mas qual seria o motivo para a história de Victor Frankenstein e sua criatura fazer sucesso até os dias atuais?
Uma das respostas pode estar no subtítulo do livro: "o moderno Prometeu" que é um titã grego, misto de deus menor, herói e ancestral, que com a ajuda de outros titãs recebe a incumbência de criar todos os animais do mundo, mas sua história mais conhecida é de quando roubou o fogo divino e o entregou aos mortais. Victor é Prometeu no primeiro momento da história, ao dar vida a sua criatura, e sua cria acaba se tornando um representante da humanidade que nasce ignorante, mas consegue se transformar sem a ajuda de seu criador. Não é a toa a citação de Jonh Milton como epigrafe:
“Acaso, ó Criador, pedi que do barro
Me moldasse homem? Porventura pedi
Que das trevas me erguesses?”

É disso, afinal, que se trata o romance: a pesquisa da centelha vital, capaz de dar vida aos mortos, a contrapartida biológica da alquimia da pedra filosofal. É neste sentido que "Frankenstein", o monstro, se torna a alegoria dos resultados da ciência moderna e Frankenstein, o médico, se torna, por seu lado, numa alegoria do desejo humano de transcender a própria condição humana, desejo esse presente desde a pré-histórica até à mais recente engenharia genética.
Com os atuais esforços da biomedicina, muito se fala na real possibilidade do surgimento da vida a partir de células mortas ou da criação uma pessoa a partir de células de outras pessoas. Porém, até esse dia chegar, a leitura que deu origem a um dos maiores mitos da literatura e do cinema merece ser lida.

3 comentários:

Anônimo disse...

poderiamos publicar nossas resenhas aqui e apenas entregar pra Nani um cartão contendo apenas nome e o endereço do blog! Gasta menos papel!

ps: depois vou ler seu texto, max!

Anônimo disse...

Boa ideia Bruno... vamos fazer isso amanhã ;p

Anônimo disse...

Bela resenha rapaz...