23 de out. de 2007

A voz que salva e o que tem a ver o mundo com isso (parte 4 e final.)*

Livre, você é livre? Sente-se livre, então, agora? Livre, finalmente? De quê? Daquela sensação ruim de estar preso a algo? E de sentir que uma angústia o consome por dentro? Estamos sempre com a impressão de que devemos, agora sim!, dar um basta à pressão que nos limita. Essa opressão, ela é, afinal, exterior a nós? Muitos de nós acham que podem, um dia e de uma vez por todas, alcançar algo. O que? A felicidade, deus, materiais? Ainda crêem que seus corpos estão com as marcas de seus sofrimentos passados; a renovação plástica é pensada e repensada, mas o que esperam mesmo é a salvação eterna de suas almas. Talvez essa distinção entre corpo e alma seja meramente simbólica; é certo que somente nossa mente é dona de nossas lembranças e desejos.
E é bom que haja no mundo quem queira a liberdade absoluta. O ser livre que nunca existiu em nossa história é o que move o ser oprimido de nossas vidas de agora. E do sempre. Como é mais fácil nos depararmos com eventos que evocam, em nós, um certo desconforto e uma dissonância com a realidade e com o que esperamos dela (ou idealizamos), a felicidade e a fortuna favorável sempre inclinam mais para o campo das fantasias do que para o nosso mundo real. Tudo o que diz respeito ao bem-estar do homem, no sentido de suas realizações de desejos individuais, está vinculado a um universo lúdico e imagético. E comparações são inevitáveis: quando, por exemplo, acreditamos que encontramos a pessoa que nos completa – o amor “de nossas vidas”, expressão essa acompanhada pela idéia de que achamos quem possa nos completar (a alma gêmea) – “linkamos” o fato real (estar com a pessoa amada) ao universo irreal – dizemos, assim, que “estamos sonhando” ou que, então, “só pode ser um sonho” estar ao lado de tal pessoa. O mesmo vale para outros momentos em que satisfazemos algum desejo muito forte; é freqüente vir a nossa mente, no momento de alegria e prazer, metáforas que indicam a semelhança entre o realizar um desejo e a fuga da realidade, sendo esta uma das possibilidades de sairmos do sofrimento.
Quando nos encontramos numa situação de amargura ou angústia, a idéia de pesadelo é comum, mas procuramos admitir que se trata, de fato, da realidade, a tão sofrida e árida realidade; e logo desabafamos que “nessa vida, nada é fácil”.
Por que damos créditos ao nosso mundo de imaginação e de sonhos, quando estamos num momento considerado bom? A realidade de nossas vidas está aí para nos atingir constantemente com pedradas? O que é tudo isso que nos incomoda, e que, ao mesmo tempo em que nos permite contemplarmos a vida como ela é, nos exige sempre uma reação? Quem sorri do meu lado, que felicidade é essa?

* as outras partes foram publicadas no antigo Blog Androceu e devidamente não-salvas. Como o Blog Androceu antigo não existe mais, as partes 1, 2 e 3 foram devidamente extintas. Grato pela compreensão.

2 comentários:

Unknown disse...

muito bom Bruno, demais mesmo.

=*

Carlitos ® disse...

um verdadeiro clássico androcêutico. concorrente ao Oscar Androceu 2007. Coming soon!