14 de set. de 2009

Descolados do mundo

Confesso que senti medo hoje, medo do que assistia na TV, tanto medo que precisei correr para o pc e escrever qualquer coisa que fosse, ao som de Slayer, para me sentir seguro da médiocridade. Só para esclarecer, acabo de inventar essa palavra, assim mesmo com acento agudo, ainda que saiba que algum purista chato e o corretor do word vão pegar no meu pé, afinal a moda agora é padronizar e corrigir nosso amado-idolatrado-salve-salve-idioma.
É que pensei nessa palavra por causa da nossa amada-idolatrada-salve-salve-classe-média, mas especificamente a classe média jovem. Através daquele programa de televisão – cuja emissora não citarei o nome mas só posso adiantar que é feita por jovens moderninhos e descolados – tive uma visão apocalíptica do futuro, descobri uma faceta alarmante da nossa classe média, percebi que talvez esse papo todo de fascismo não seja só papagaiada dos barbudos que vestem vermelho. Realmente o que eu vi ali foi um convite ao militarismo e a xenofobia. Sim, é isso mesmo, segue minha explicação.
Estava eu assistindo, já pela metade, o tal programa que estava sendo reprisado, foi ao ar no dia do jogo do Brasil com o Chile, a apresentadora ia passando os tópicos de discussão na tela. A coisa funciona assim: ela chega de kombi colorida com as cores e letras da emissora; estaciona em alguma parte da cidade onde adolescentes modernos e descolados se reúnem; e fica rodeada de meninos e meninas, conversando com a turminha, discutindo com eles os tópicos do dia. Com comentários ultra abalizados ela introduz o tema, pede opinião para seus amiguinhos e, em seguida, chama matérias sobre o negócio, é mais ou menos isso aí.
O assunto geral do dia era patriotismo, e aí começou a se descortinar toda a médiocridade. O que vi primeiro foi um repórter de campo que estava no estádio de futebol onde jogavam Brasil e Chile, ia falando com as pessoas e transeuntes. Perguntava, “você é patriota só em jogos da seleção?”, ou algo como, “você acha que o brasileiro só é patriota de quatro em quatro anos?”. Não preciso nem dizer que eram pessoas modernas e descoladas já que estavam no jogo do Brasil e pagaram caro por isso. Todos ali sorrindo e repetindo que amavam o Brasil, que o patriotismo devia ir além do futebol, meninas que eu não vejo nem nas festas da psicologia comemoravam, entre um canapé e um carpacio, os golaços de Nilmar.
Isso não diria nada sem o que veio em seguida, uma matéria sobre o serviço militar, e não acreditei no número de moleques que querem realmente entrar para o exército, deviam estar drogados ou exageraram no anti-depressivo, mas enfim, cada um com sua loucura. Outros, que tinham prestado o serviço militar, diziam que achavam que a coisa ia ser casca grossa mas acabaram gostando da nova experiência. Um coronel, tenente, marechal, sei lá eu, também dava uma palavrinha para encorajar os jovens, dizendo que lá ninguém apanha, a convivência é super saudável, todo brasileiro tem que se preocupar com sua pátria, e por aí vai. Só faltava uma propaganda, daquelas do governo, que mostra o exército do mesmo ângulo que mostra uma faculdade, dessas universidades que surgem de repente por aí, uma Uniforme-se-logo-e-ganhe-mais-dinheiro da vida. Venha para o exército você também, e acelere sua carreira!
Comentários da apresentadora: “vocês viram, gente! Talvez as pessoas tenham uma imagem errada do serviço militar!”, e logo em seguida retorna o repórter de campo, direto do jogo do Brasil, comentando que vestir uma farda era a mesma coisa que vestir a camisa da seleção (garanto que ele escolheria a da seleção).
Sim, eles não paravam de tentar me convencer a me alistar, mas agüentei firme para ver o próximo tópico: xenofobia, e daí ficou pesado. Não me lembro do que alguns garotos disseram ali no palco mas me lembro bem da matéria, mostrava vários jovens que nem sequer sabiam o que a palavra significava. Quem se salvou foi uma menina que disse que xenofobia são, tipo assim, as pessoas que, tipo, não curtem as pessoas que são, tipo assim, de outros, tipo, países. Mas um outro nunca ouviu falar na tal palavra; outro lá me manda que xenofobia para ele era medo da Xena (pra quem não conhece, é uma princesa guerreira de um seriado aí). Resumindo, aquilo foi uma aula de estupidez pra quem ainda não conseguiu ficar estúpido.
Voltando para o palco nossa apresentadora já estava com uma camiseta com a frase “xenofobia é medo da Xena” estampada, já tinha também uma foto da própria Xena usando a peça de roupa, bela metalinguagem. Ela deve ter uma estamparia e um fotoshop naquela kombi pra fazer isso tão rápido, e já distribuindo pra moçada a camiseta com o slogam genial, acabava assim com qualquer comentário minimamente aceitável sobre xenofobia. Seria melhor se dissesse logo de uma vez: “nossa, como é legal ser burro!”.
Mas daí veio a salvação da interatividade, pois no programa existe um quadro que se chama “chora”, onde qualquer jovem descolado pode dar sua opinião ou desabafar sobre qualquer assunto, pode reclamar da mãe que não o deixa sair a noite, da amiga que roubou o namorado, do cachorro que ama, é quase como uma terapia televisionada. Rezando para que alguém falasse algo um pouco menos tapado do que as palavras da apresentadora, eu escutei o rapazola que subia num palanquinho e falava ao microfone. Não adiantou, o cara começa a reclamar da paparicação aos gringos quando eles vêm ao Brasil, “só falta estenderem um tapete vermelho”, dizia, e continuava a falar que na Europa os brasileiros são mau tratados e por isso não deveríamos pegar leve com nossos gringos também. Gritos da torcida jovem ali presente, se bem que eles gritariam até para uma imitação do Tiririca.
Não sei se esse cara que falou ao microfone acha isso realmente; não sei se ele viu uma notícia no Jornal Nacional; não sei se ouviu de orelhada quando seu pai falava ao celular, mas me assustei com um discurso desses vindo de alguém tão jovem. Era sim um fascista adolescente, e agora até eu já estou usando o termo que muitos barbudos repetem por aí e me deixa irritado. Percebi que não era só o programa que nutria esse tipo de sentimento.
O tópico seguinte - estrangeirismos na língua portuguesa - mostrava uma matéria com dois professores de português, um contra e outro a favor do uso de palavras estrangeiras, parecia um debate em estilo twiter, onde ambos expõem suas opiniões em poucos caracteres. A professora do contra dizia que um idioma tão rico como a português não demandava novas palavras de outros idiomas; o professor a favor explicou que isso é um fenômeno natural, não daria pra imaginar o português sem palavras estrangeiras como “pizza”. E realmente eu não consigo imaginar um país sem pizzas, seria o inferno dos solteiros que não sabem cozinhar. Mas o problema foi a gravidade que atribuíram ao tema, tratado com a mesma importância que tem minha carreira de jornalista.
O programa acaba e logo em seguida começa um outro que, vejam só, passa clipes com legendas. A idéia é agente entender a letra das musicas cantadas em inglês, que ironia! Deviam passar a letra de “Americam Idiot” do Green Day, ou “Americam Jesus” do Bad Religion, ou alguma do Public Enemy, por que não?
Mas antes que começasse a chorar, finalmente desliguei a TV, e cá estou eu agora relatando essa minha impressão medonha da nossa juventude, e por que não da nossa programação de TV? cheguei a me perguntar se não estava vendo coisas, achando pêlo em ovo. Comecei a imaginar um conflito na Amazônia, que surgiu sabe-se lá de onde, contra guerrilheiros maconheiros, uma iminente guerra que ainda permanece top secret; forças armadas brasileiras posicionando-se estrategicamente, e dá-lhe apoio militar dos Estados Unidos; somas vultuosas em dinheiro usadas pelo Estado brasileiro pra convencer as emissoras a propagandearem o sentimento patriótico. Enfim, eclode o conflito e nossos jovens, já devidamente patriotizados, seguem aos montes para as fronteiras de arma na mão, a opinião pública se revolta às vésperas da matança mas algum maluco já deu um golpe, tomou o poder e censurou os jornais.
Pô! Fui bem pra longe agora, mas talvez tudo isso não passe mesmo de um devaneio maluco, afinal isso nunca aconteceu na história da humanidade, foi só um sonho ruin. Xenofobia? Guerras? Ditaduras? Sarney? Nunca ouvi falar! Devo é estar ficando velho, careta, devo estar totalmente out desse mundo dos adolescentes descolados, talvez até ainda morda a língua quando eles fizerem algo notável no futuro. Preciso mesmo é tomar minha pílula e assistir uma TV.

Um comentário:

mario disse...

Excelente texto! Yes, we have Otávio!