17 de jun. de 2008

Chega!

“É preciso estar-se, sempre, bêbado. Tudo está lá, eis a única questão. Para não sentir o fardo do tempo que parte vossos ombros e verga-vos para a terra, é preciso embebedar-vos sem tréguas.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a escolha é vossa. Mas embebedai-vos.
E se, às vezes, sobre os degraus de um palácio, sobre a grama verde de uma vala, na solidão morna de vosso quarto, vós vos acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que passa, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, vos responderão: “É hora de embebedar-vos! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embebedai-vos, embebedai-vos sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude: a escolha é vossa”
. [Charles Baudelaire, Pequenos Poemas em Prosa]

O que quis dizer Baudelaire com “embebedai-vos?” Certamente, não se trata de alguma apologia ao consumo de alcoólicos, apesar de que estes também podem, por meio de processos químicos, e portanto artificiais, colocar-nos em um estado de alucinação, de inconsciência, de perda do pensamento lógico. Citando, em sua resposta (“Mas de quê?”), o vinho, mas também a poesia e a virtude, Baudelaire fala de uma outra bebedeira, aquela capaz de nos manter distantes das amarras da racionalidade opressora do Tempo.
Somos escravos martirizados do Tempo e, quando conseguimos ter consciência disso, podemos nos deixar levar pela conformação, pela entrega ao bom senso, ou seja, evitar maiores problemas que possam ser causados pela tentativa de subverter qualquer norma social. Mas, ao contrário, podemos seguir contrariamente ao comum, permitindo-nos novas aberturas de percepção do mundo sensível. Afinal, se desde pequenos somos condicionados a olhar para o mundo seletivamente, como que seguindo um guia automático, previamente programado para nos fazer ver e pensar o que se “deve”, é certo que o mundo dos sentidos é pressionado por diversas forças, que ora nos impedem de realizar algo não-previsto, o que seria considerado um absurdo, ora nos transformam em objetos manobráveis, suscetíveis a mecanismos que podam as diferenças do contexto social, uniformizando corpos e almas.
Em outras palavras, a idéia que está por trás do poema em prosa de Baudelaire é a do paradoxo. Mais precisamente, pode-se pensar que todo artista deve se valer dessa “embriaguez”, deste disparate, de tal modo que possa escapar dos processos regulatórios – principalmente do Tempo – e direcionar seus pensamentos para aquilo que ainda ao foi pensado ou rememorar tudo o que caiu no esquecimento. A repetição exaustiva do mundo pós-industrial é grande evidência de como o sujeito está cercado por medidas de espaço e de Tempo; tudo é muito bem mensurado, cronometrado, previsto e esperado: o que se faz hoje se fará amanhã; o degrau que agora galgo é igual ao próximo e ao anterior. Ficar retido nesse mundo onde tudo é comum - e, portanto, o próprio processo de criação não pode transgredir, não pode tentar ir além do senso comum, sob pena de ser considerado meramente uma estranheza, uma loucura que não deve ser levada a sério (pois até mesmo o que deve ser levado a sério é catalogado, baseando-se em conceitos estéticos muito bem definidos) -, acaba mutilando o sujeito, amputando dele, de forma violenta e perversa, seu potencial de observação e de apreensão de tudo o que o cerca. Assim, já sendo o sujeito uma coisa, a ele só resto “coisificar” tudo! Objetiva-se o pensamento de tal forma que a simples idéia de fuga da realidade, de negação, nem que por instantes, do Tempo, se torna algo pecaminoso, vergonhoso, não restando outra saída a não ser a auto-punição. O sujeito acha que está louco, e loucura, para ele, é “coisa” ruim. A subjetividade, o sonho, a brincadeira e o devaneio deixam de ser janelas para se tornarem enormes e pesadas portas, cada vez mais difíceis de serem abertas.

O vento, a onda, a estrela, o pássaro e mesmo o relógio, todos nos querem bêbados! Bêbados de poesia, de absurdos, de passionalidades, de contestações e críticas, bêbados de tanto beber do mundo as suas diferenças! Para sentir o vento, deixar levar-se pelas ondas, contar as estrelas, ouvir os pássaros e destruir os relógios!

3 comentários:

Zine Qua Non disse...

Embebedar-se: entregar-se ao máximo; mergulhar naquilo que te faz feliz, que te faz sentir útil, que te faz sentir vivo; deixar-se levar ao topo; desligar-se daquilo que o encomoda; respirar o ar que agrada seus pulmões; sentir o que faz teu coração bater.

Anônimo disse...

Boa pedida, vou me entregar ao máximo nesse sábado.

Anônimo disse...

não é bem essa a idéia, mario..ehehe..mas vou fazer o mesmo q vc!