29 de mai. de 2010

Um dia como cleaner em Londres




O trabalho pode ser de m..., mas o sorriso continua.


 - The next station is St. John's Wood.



Desliguei o tocador de MP3 e olhei para o lado. Amanda definitivamente não estava nada contente com aquela situação. Tentei puxar papo, em inglês, mas ela não estava afim de conversa. Dei um suspiro e sai do vagão.


Saindo da estacão, peguei o papel com as informações do que seria o meu primeiro trabalho em Londres: cleaner em um estadio de críquete, o esporte da realeza britânica, na zona norte da cidade. Alem dessas informações, o nome do meu empregador, o telefone dele para contato e um mapinha de como chegar no Lord's, o apelido do estadio.


Teoricamente deveria chegar ao metting point as 18:30 para o cadastro, mas devido a um problema em uma das estacoes, só consegui atingir o estadio as 18h55. “Me fudi”, pensei.


Marcelo, o meu empregador, era um caso raro de brasileiro: nascido em Minas Gerais em Ipatinga, se mudou para o Rio de Janeiro ainda criança e por isso carregava no sotaque uma mistura do tipico sotaque mineiro com o fluminense.

- Sinto muito garotos, mas como vocês se atrasaram tive que colocar outras pessoas nas vagas de vocês. Mas vou falar com o meu supervisor e ver se consigo encaixar em voces em outros grupos.



Enquanto Marcelo atravessava a rua e conversava com seu chefe, dei uma boa olhada nas pessoas que se preparavam para entrar na arena. De quase todas as idades e falando principalmente espanhol e português, a única coisa comum naquelas pessoas era uma camisa azul GG, não importando o tamanho da pessoa, com o logo da empresa.


De longe, ouvi Amanda me chamar. Caminhei ate ela e Marcelo e vi que havia mais uma pessoa junto aos dois. Ele se chamava Pablo e era o chefe de um outro grupo.


Marcelo nos explicou rapidamente a situação. O grupo dos brasileiros estava lotado, mas ainda haviam vagas para o grupo dos colombianos e perguntou se estávamos interessados. Respondi que sim rapidamente, enquanto Amanda deve ter sentido o cheiro de cilada antes de concordar sem muita animação com a cabeça.


Recebemos a nossa camiseta azul extra grande e fomos apresentados ao resto do grupo. Contando comigo, eramos 21 smurfs. Muitos velhos, alguns garotos e duas meninas que facilmente se passariam por brasileiras. Puxei papo com uma delas. Claudia, 20 anos, esta ha dois meses em Londres aperfeiçoando seu inglês. Formada como contadora em Caracas, rompeu um namoro de cinco anos antes de embarcar e não pensa em namorar tao cedo. Havia sabido da vaga por sua colega, a outra colombiana e aquele não seria seu primeiro trabalho em Londres, já que havia trabalhado como garçonete em um evento em sua segunda semana.


Tivemos que parar o papo para a revista dos policias. Inicialmente ele se dirigiu a mim em espanhol, mas vendo a minha cara de “what the hell...” voltou atras e começou a falar em inglês. Pediu minha mala, abriu um zíper, viu que não carregava nenhuma bomba e me liberou para ser revistado por uma mulher com um detector de metal. Apesar de estar com o bolso cheio de moedas, o aparelho não tocou nenhum vez.


La dentro fomos levados para a arquibancada superior e recebemos as informações do trabalho: teriamos primeiro que catar todos os objetos grandes, depois passar uma vassoura e por fim um pano para pegar as migalhas. “Molezinha. Vai ser as 11 libras mais facies que eu vou ganhar na vida”, pensei. Ledo engano.


Para quem não sabe o salario minimo inglês, isso e, o salario do imigrante, e de cinco libras e oitenta centavos menos impostos. O que no final das contas da umas cinco libras por hora. Fazendo as contas rápidas no papel, se você trabalhar 40 horas semanais, 20 dias por semana, você ganharia aproximadamente mil libras, ou 2700 reais. Isso fazendo coisas como faxina, garçom, entregando folhetos e coisas do gênero. Agora eu pergunto: pra que eu fiz faculdade mesmo?


Peguei um saco plastico e me dirigi para o corredor mais alto e comecei a pegar os copos e jogar dentro dele. O primeiro saco se encheu praticamente sozinho. O segundo com um pouco mais de esforço e no final do terceiro saco (e eu ainda estava no meio da primeira arquibancada) eu já começava a me sentir enjoado com o cheiro de mistura de café, cerveja e frutas esmagadas que exalavam do chão que eu limpava. Olhei para baixo e vi que Amanda também estava com problemas. Fiz um sinal com a cabeça e ela começou a trabalhar uma fila abaixo da minha. Se o cheiro era ruim, pelo menos tinha uma cia para conversar, ou melhor, reclamar a cada cinco minutos que não precisava fazer aquilo para sobreviver em Londres.


Max Weber certa vez escreveu que o trabalho dignifica o homem. Com certeza ele nunca viu a limpeza de um estadio para escrever tais palavras. Enquanto xingava o meu xara, levantei a cabeça para respirar e vi a cena mais nojenta da minha vida. Perto da entrada, existia agora a maior montanha de lixo que já vi vida. Eram sacos e sacos cheios de copos de cerveja, café, vinhos e diversas comidas. Uma cena surreal. Porem, o que quase me fez vomitar foi um colombiano careca comendo metade de um sanduíche que ele encontrou em um saco e tomando uma cerveja que claramente ele não pagou na maior cara de pau.


Ouvi a voz do meu chefe me chamar em espanhol. Respondi em inglês e perguntei aonde estava a vassoura, mas devido ao silencio de Pablo tive que perguntar em portunhol para descobrir que não haviam vassouras disponíveis para todos e teria e levar todos os sacos ate o elevador para serem despachados para a rua. Tetando não vomitar com o cheiro, gastei a meia hora seguinte carregando os sacos ate o elevador aonde um paraguaio ancião cuidava da descida do lixo.


Seu nome era Javier, 65 anos, e estava ha dois anos em Londres. Aquele era apenas um de seus quatro trabalhos em Londres, já que alem de ser cleaner no Lord's, ele também trabalha como garçom em um restaurante em Picaddily e lavador de pratos de um pub perto de sua casa nos finais de semana. Ao todo faz cerca de 40 horas de serviço semanalmente, o que o coloca na situação de ilegal, já que o máximo que um visto permite são 20 horas semanais.


Ele porem não se importa com isso. Perguntado com o que faz com o dinheiro, Javier diz que manda tudo para os seus filhos, na cidade de Cerro Cora, e espera poder voltar para casa em breve para ter uma aposentadoria de um rei.


Terminamos a tarefa e vamos para o anel inferior do estadio. Ao contrario do anel superior, a situação parece mais confortável, já que o resto da equipe já varria os corredores.


Peguei uma vassoura e comecei a varrer os corredores. Quinze minutos depois o meu corredor estava brilhando sem nenhum pó, mas parecia que Pablo não estava disposto a liberar o seu grupo antes das 21h30. E o meu relógio marcava exatamente 20h30. Sem ter o que fazer comecei varri o ar do corredor e não contente varri mais uma vez, enquanto Pablo dava ordens em espanhol atras de mim.


O relógio marcava 21h25 quando fui liberado. Entreguei o material para o brasileiro que cuidava do almoxarifado e me arrastei ate a estacão, mas antes disso tive que ouvir meu chefe me aconselhar a descansar bem pois aquele havia sido um dia leve e amanha eu deveria esperar muito mais lixo. Quase mandei um fuck off pra cima dele, mas a chance de ganhar mais algumas libras falou mais alto.


Todos os meus ossos doíam. E muito. Descendo a escada rolante, tive a única boa surpresa do dia. Quase no final dela, um pacote semiaberto passava despercebido pela multidão. Curioso, rasguei um pouco do papel e não consegui esconder o sorriso. La dentro alguns pacotes saladas estavam fechadas e prontas para o consumo. “Ganhei um jantar de graca”, comemorei.


Ofereci um pacote para Amanda e ela aceitou. Sentamos em uma das cadeiras da Jubille e como reis comemos nosso jantar ali mesmo, pouco se importando com o que as pessoas pensavam ao olhar para nos.





- "Please mind the gap between the train and the platform.This train is leaving now.”

5 comentários:

João Paulo Caldeira disse...

Nice, max. Isso é uma baita experiência de vida, fora que também rende um bom material pro Androceu...

Gustavo disse...

Tô sentindo que certos detalhes dessa história foram omitidos. O chefe colombiano não soltou em nenhum momento um "puerra, Max!"?

Estranho, muito estranho...

Max disse...

Poder da edicao guss, tudo uma questao de edicao...

Mas respondendo, nao nao fui xingado nenhuma vez pelo meu chefe, talvez almaldiçoado uma ou duas vezes por algo descendente de inca, mas nao pelo meu boss.

Susan disse...

Oi Max... e como você conseguiu este emprego? Podes postar o nome de alguma agência? Obrigada.

Max disse...

Oi Susan.
Entao, para este emprego em si eu descobri ele por causa que uma brasileira que morava comigo conhecia o empregador e levou a geral de tiracolo.
Se voce ainda estiver procurando emprego, eu sugiro o Gum Tree: http://www.gumtree.com/london que tem uma secao bem legal de empregos. Nao se esqueca de pedir o seu Insurance Number, sem ele voce so vai conseguir emprego clandestino que alem de pagar mal, voce nao tem nenhum direito...
De resto e ir fazendo contato com todo mundo lah - brasileiros ou nao - e ir sempre perguntando onde tem emprego.