30 de dez. de 2008

Red River

Por Bruno de Pierro

Estávamos naquele lugar, cujo nome não sei - e tratei logo de chamá-lo de "o mirante”. Fazia um silencio tão forte, que mal podíamos ouvir um ao outro. Era como se todo o silêncio que existe no mundo - aquele silêncio que ocupa as bibliotecas, as igrejas, os velórios, etc - estivesse, naquele momento, todo acumulado lah, no "mirante". Sim, uma vista bonita. O Red River, que dah nome ao banco principal e a inúmeros outros tipos de estabelecimentos, eh um rio como outro qualquer no mundo, mas por fazer parte daquela paisagem triste e ao mesmo tempo marcante (que não nos deixa ir embora, apesar de o querermos), adquire pompa maior e se torna atração principal para aqueles que procuram no mirante um pouco de beleza e paz. Apesar, claro, de estarmos, aqui, falando de uma beleza falsamente natural e uma paz equivocadamente bem-vinda.

Ficamos lah por uma meia hora. E, em respeito ao silêncio que era maior que tudo, inclusive maior que nossa dor, ficamos quietos. Apenas observando as águas do rio e a vegetação que o cerca pelas margens. Os edifícios, feitos de tijolos laranjas, dão a paisagem um aspecto rústico, mas, ao mesmo tempo, tenta, sutilmente, dar a ela um sentido, um motivo de ser. Quanto a nós, estávamos deslocados, pois nao éramos nem edifício nem rio nem árvore. Deslocados inclusive de nós mesmo, e eu até que suspeitava por que.

Sabíamos que, apesar do sentimento de eternidade que nos invadia e tentava nos tranqüilizar, sabíamos que nao passava simplesmente de mera sensação. Pois se podíamos sentir-nos bem naquele instante, podíamos, simultaneamente sentir-nos mal, justamente por desconfiarmos da certeza de que aquilo estava prestes a acabar. E, engraçado, nem sei se começou, de fato.

O céu adquiria uma coloração tão quente, que, aqui em baixo, sentíamos falta do frio. Eu tentava concertar o zíper de meu casaco, e ela ajeitava o cabelo. Percebemos que estávamos nos arrumando como quem estah para sair a passeio. Mas nao tinhamos para aonde ir... Um mirante, por mais eficaz que seja na sua função de nos possibilitar belas imagens, nunca perde sua característica mais sutil, a qual julgo ser a de garantir que as pobres almas que observam as maravilhas do mundo permaneçam cercadas por grades e parapeitos. E eh por isso que mirantes são tristes, porque são prisões a céu aberto... nada mais. Eu podia a ter lavado a qualquer outro lugar desta cidade, mas tomei o mirante como prioridade, nao por ele nos dar uma bela vista, mas sim porque ele organiza, junta, une. Lah, unimos medo com sonhos e, esperando uma resposta da natureza, nos frustramos em termos como resposta apenas aquilo - uma paisagem de cartão postal.

Eu tentava colocar a maquina fotográfica em cima do capo de um carro velho que pensei estar abandonado. Mas a maquina deslizava enquanto riamos da situação - da qual eu jamais pensei que um dia riria. Eh estranho se acostumar com tudo isso, ou seja, com a novidade e com a simplicidade que há nas coisas mais banais... Por exemplo, o deslizar de uma maquina fotográfica sobre o capo de um carro. Mas como tudo o que eh novo enjoa facilmente, peguei sua bolsa como apoio. A primeira foto, soh saiu ceu... havíamos nos esquecido do timer. Na segunda vez, lah estávamos sorrindo, tendo ao fundo o Red River, a vegetação que o cerca pelas margens e as árvores. E, sim, alguns prédios feitos de tijolos alaranjados, que deram a fotografia um tom triste, mas agradável.

Mas agora, olhando para o retrato, nao vejo graça. Retornei, hoje, ao mirante, mas sozinho desta vez. E tudo estava como deixamos. Se posso seguir sozinho, nao sei... Ontem à noite, enquanto a ensinava algumas palavras em português - e riamos e víamos o quanto eh ridículo qualquer conhecimento, pois o importante é sentir as coisas - reconheci em mim aquela paz do mirante. Hoje cedo, encontrei a casa cheia, mesmo estando despovoada; a cama estava ainda quente, mesmo depois do passar de tantas horas sem um corpo sequer nela repousar... Na pia, a ultima gota d`agua caia naquele que foi seu copo durante estes dias; na mesa da sala, ainda estava escrito, com cinzas de cigarro, seu nome.

E foi tudo o que restou.

Um comentário:

Zine Qua Non disse...

Você tem o dom de fazer sentir com as palavras!!!
Nunca deixe de escrever, mocinho, nunca!

Muitos beijos e saudades imensas