11 de nov. de 2010

Façamos reportagem, apenas

Tenho de volta a obra-prima "O Segredo de Joe Gould", de Joseph Mitchell, que marcou a grande reportagem norte-americana sem, para isso, necessitar de celebridades ou grandes nomes da época como fontes.

Como disse João Moreira Salles, no prefácio da edição da Companhia das Letras, a cada texto de Mitchell, uma árvore vem abaixo - fazendo alusão ao pica-pau que pode derrubar uma árvore. Explico. Ninguém tem paciência suficiente para ver um pica-pau bicar uma árvore durante mais de duas horas, até que ele consiga derrubá-la. Mas o jornalista do New York Times tinha.

No caminho de volta para casa, hoje, com o livro em mãos (havia emprestado há mais de seis meses), concluí que a fonte de Mitchell, o velho Gould, era a mais difícil. Não porque não possuisse assessoria de imprensa, ou escritório, ou cargo importante. Mas talvez porque era a pessoa desisnstitucionalizada, livre e, portanto, atraente para o jornalista.

Como medir os méritos de uma reportagem? Vamos verificar se ela derrubou um presidente, ou um senador? Se ela atingiu o objetivo de prestar um serviço? Se ela salvou vidas, alertando de algum perigo qualquer? Trouxe conhecimento erudito, educou, esclareceu?

O fato é que ler Mitchell, sua reportagem mesmo, em nada atinge esse checklist. Não derruba governo, não educa, não presta serviço, nem sequer traz previsão do tempo ou resultado da última rodada do campeonato.

Qual a função? Não digo do jornalismo, mas desse tipo específico de matéria, que relata, conta, revela.

Creio que simplesmente - e já é muito - ser peça artistica. E política.
Mitchell não está apenas contando o que o Outro faz - o ser bizarro que é Gould -, mas, além dessa fronteira, está fazendo algo objetivo - produzindo um produto, uma obra, um discurso, uma coisa que não é mera reprodução de conhecimento, mas conhecimento em si.

A peça (e falo aqui em peça, no sentido literal mesmo, como parte de algo que se destaca e se torna coisa autônoma) de Mitchell, seu texto, é a novidade; é ele o trabalho final. E é este o serviço que presta - semelhante ao que nutre o mundo plástico.

Pouco se comenta da plasticidade do texto jornalístico, coisa até ridicularizada nas grandes redações.

Quase entrando na estação de metro, ainda hoje, encontrei o nosso Gould, sobre o qual já escrevi aqui. Seu Verdi. Esse senhor não produz indicadores econômicos, não é autoridade em nada, não é fonte pra ninguém, a não ser para ele mesmo. Para o jornalismo, é desinteressante, pois é uma figura raza, desimportante.

Talvez, a função da reportagem seja subverter esse pensamento que contamina. E parte do remédio pode ser extraído de Mitchell.

2 comentários:

Mônica Ramos disse...

Bruno, fiquei curiosa para ler o livro! Se você não tivesse ficado seis meses sem ele, até pediria emprestado... hehe
Acho que as reportagens da revista Piaui são um bom exemplo desse tipo de matéria "despretensiosa" em relação ao conteúdo noticioso, digamos, mas que, ao privilegiar a forma, consegue resultados admiráveis.
Quero fazer jornalismo assim quando eu crescer!

Bruno de Pierro disse...

apenas uma errata: Micthell escreveu na revista New Yorker

abs.