13 de ago. de 2009

A Vida é uma Bósnia III²

Depois de um tempo (35 minutos cronometrados no relógio, ou os 20 minutos bósnios mais longos da minha vida), a caminhada acabou. O ponto final, que na verdade era o ponto de encontro para o início da marcha, era em frente à escola da cidade, um prédio não muito maior do que uma casa, diferenciando-se apenas no estado: estava inteiro, recém-reformado, mas ainda sem a pintura. As casas, ao contrário, ainda mostravam as cicatrizes da guerra – marcas de bala e de explosões, principalmente.

Do lado da escola havia uma casa cujo segundo andar a organização do evento usava para dar seus recados, todos em bósnio, amplificados por uma caixa de som improvisada. Logo em baixo, na rua ainda de terra e pedras, havia uma mesinha em que pessoas poderiam retirar um crachá (que, mais tarde, eu descobri que seria a chave de entrada para dormir no acampamento em Potočari, a última noite da marcha). Fui lá procurar Omerović, a pessoa que levaria minha mochila para Srebrenica. Reconheci algumas pessoas da mesa, mas ele não estava lá. Uma delas telefonou para Omerović e, em menos de um minuto, ele estava ali na minha frente.

-Venha comigo, ele disse, suando mais do que quando eu o conheci.

Omerović levou-me para uma casinha próxima à aglomeração, e pediu que eu deixasse minha mochila ali junto com outra dezena que estava no chão.

-Algumas vans e caminhões vão levar o material das equipes de televisão que vão acompanhar a marcha, mais bagagens de outras pessoas. Eu colocarei a sua lá também. Se você precisar pegar alguma coisa depois, pode ligar no meu celular no primeiro acampamento. Eu também vou participar da marcha e estarei lá no fim do dia.

Maravilha. Estava 12 quilos mais leve e razoavelmente despreocupado com o futuro de todas as minhas coisas, inclusive meu laptop, que estavam na mochila. Omerovic estava inquieto, e ainda tinha muito o que fazer. O início da marcha estava marcado para as 9h00 e naquele momento, às 8h20, a organização corria para fazer tudo funcionar até a hora planejada. Despedimo-nos brevemente e ele sumiu no meio da aglomeração.

Fui procurar os alemães que seriam meus melhores amigos nos próximos dias. Eles não estavam mais no lugar onde paramos. De repente, Jonas apareceu e me levou ao novo ponto. Todos estavam ali: John, Sarah, a escritora, Antonia, outra alemã que estava na Bósnia fazendo serviço social e morava com Jonas e John na periferia de Tuzla, e o homem que os acompanhavam, Kadia Muhić. Jonas fez as apresentações, e o papo ficou para depois – todos estavam cansados pela caminhada ladeira acima rumo a Nezuk, e, além do mais, sabíamos que teríamos muito tempo para conversar.

Ao nosso redor, havia todo o tipo de gente. Homens, mulheres, magros, gordos, velhos, crianças com seus 10 anos, moradores de Nezuk (era fácil identificá-los: eles não carregavam nenhuma mochila, estavam mais arrumados do que o resto, e observavam de longe a todos), estrangeiros como eu, jornalistas e suas equipes fazendo entrevistas e capturando imagens, bandeiras (muitas da Bósnia Herzegóvina e da Federação, algumas da Turquia, uma da Palestina, uma semelhante à da Arábia Saudita, verde com mensagens em árabe, e uma, branca, com “Srebrenica – 1995”, rodeada de fotos de homens com seus nomes logo abaixo – provavelmente vítimas do massacre), e uma classe especial: as pessoas de camisa laranja com os dizeres na parte de trás:

Učesnik Marša Smrti Jula 1995

A tradução, em inglês, vinha logo abaixo: Participante da Marcha da Morte – Julho de 1995. Em outras palavras, aquilo dizia: sou um sobrevivente.

Às 9h10, um dos organizadores pegou o microfone e começou a falar. Todos prestavam atenção. Eu não entendia nada, mas pelo jeito ele anunciava o início da marcha. Quando havia uma pequena pausa, Jonas me dava o resumo:

-Ele agradece a todos pela presença e diz que é muito importante que todos estejam aqui pela causa de Srebrenica.

-Ele pede para que não haja provocações, principalmente religiosas, já que nem todos aqui são muçulmanos, e que também as pessoas não se envolvam em confusões no meio do caminho com sérvios e policiais.

-Eles estão rezando.

-A marcha vai começar agora.

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