2 de mai. de 2008

Publicidade, cerveja, informação*

* Reproduzo aqui um post muito bom do Marcelo Coelho, retirado de seu blog.



Assim de chofre, pensei que era algum poema de Mário Quintana dedicado ao Dia das Mães. Não. Apesar da organização em estrofes e versos, era um texto da Associação Brasileira das Agências de Publicidade, a favor dos anúncios de cerveja. Saiu há alguns dias no jornal, mas não dá para passar batido. Transcrevo e comento.

QUEREM PROIBIR
A PUBLICIDADE
DE CERVEJAS NO BRASIL.

É O MESMO QUE PROIBIREM
A FABRICAÇÃO DE ABRIDORES
DE GARRAFAS NO BRASIL.

[eles não tiveram jeito de dizer: “é o mesmo que proibir a fabricação de cervejas no Brasil”, porque correriam o risco de alguém achar uma boa medida. Mas a comparação ficou estranha, porque abridores de garrafa abrem outras coisas além de cerveja, como suco de uva e groselha, por exemplo. De resto, por que tanta preocupação? Proibida a publicidade de cerveja, nada impede que surjam novas contas e novas batalhas publicitárias envolvendo, por exemplo, Maguary e Superbom.]

Nem a propaganda,
nem o abridor são a motivação
para irresponsáveis dirigirem embriagados.

[“motivação”, eis a palavra capciosa. Um abridor não “motiva” ninguém. A propaganda sim. Mas “motivação” aqui foi usado como sinônimo de “causa”, inocentando obviamente o abridor e, de contrabando, a propaganda.]

A propaganda ou o abridor
não são os culpados pela venda criminosa
de bebidas alcoólicas a menores.

[mas a propaganda,ao contrário do abridor, pode dar vontade em menores de beber cerveja]

Abridores e propaganda
não são incentivadores dos covardes
que praticam a violência doméstica.

[quem disse, aliás, que esses covardes bebem cerveja...? A julgar pela propaganda, os bebedores de cerveja são em geral solteiros e têm ótimo relacionamento com mulheres].

Essas são questões que só a educação,
a democratização da informação
e o rigor no cumprimento das leis podem resolver.

[entra de contrabando aqui outra palavra mágica, “informação”, cercada de conotações positivas, para depois ser reutilizada.]

Por isso,
proibir a publicidade de cervejas
não vai mudar em nada esse quadro.

[gosto do plural aqui: “cervejas”. O texto, para se mostrar neutro e isento, zela pelo pluralismo do produto, reconhecendo subliminarmente que há cervejas e cervejas, boas ou más, e que compete, claro, ao leitor escolher entre elas.]

A não ser tirar de você o direito
de gostar ou não gostar desta
ou daquela publicidade.

[Eis um direito novo no mercado. Naturalmente, eles não conseguiriam ir tão longe a ponto de dizer que a lei tiraria o direito de tomar cerveja, porque isso não ocorre. Então, é a própria publicidade que se apresenta como produto a ser usufruído, apreciado... sem moderação.]

De se informar e de formar a sua opinião.

[Opinião sobre o quê? Sobre a qualidade de determinado anúncio? Era isso o que prenunciava a estrofe anterior. Mas é claro que aqui a opinião se refere a tomar ou não cerveja, desta ou daquela marca; opinião que será “formada”, segundo o raciocínio do texto, vendo-se o maior número de anúncios possíveis, para julgar com plenitude de informação o que fazer com o abridor na mão.]

Um direito tão sagrado,
quanto o que você tem de comprar ou não
um abridor de garrafas.

[de novo, não tiveram coragem de dizer que o direito de tomar cerveja é sagrado. Entra então o álibi do abridor de garrafas]

E decidir o que fazer com ele.

Obrigado, mas posso decidir sozinho o que fazer com ele. Sem ninguém me martelando na cabeça que cerveja é alegria, corpo atlético, potência sexual etc.

Como sempre, esse tipo de defesa invoca a “liberdade de informação”. Mas não se trata de informar ninguém: trata-se de induzir pessoas a um comportamento que se quer que elas tenham.

Em resumo, uma droga.




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Coelho ainda dá uma dica: Clique aqui e veja algumas bizarrices da Publicidade.

2 comentários:

Zine Qua Non disse...

Informação, informação... O palavrinha usada tão em vão.
Rimou, que bosta!

Puta sacanagem! Tem que por regras sim, se não vira um esputacho. Tem que dar limites à propaganda de bebidas, à propaganda de brinquedos, à propaganda de alimentos (ruins e sem vitamina alguma) para crianças...

Limites é o que falta para muita gente, muita empresa, muito tudo nesse país bagunçado, nesse mundo zoneado.

Anônimo disse...

Eu gosto de cerveja, mas detesto propaganda.