No final de 1970 Aguirre voltou para São Paulo para assumir uma cadeira no magistério do antigo Departamento de Educação Física. Em 71, foi contratado para trabalhar no Corinthians, e saiu de lá quando Vicente Matheus assumiu a presidência. O relacionamento dos dois era bom, brincavam entre si, e Matheus chegou até a oferecer para o preparador físico sua Mercedes enquanto viajava pela Europa.
- Tá brincando? Se eu arranhar esse carro, vou ter que trabalhar a vida inteira no Corinthians para pagar a conta.
Foi demitido porque o presidente confundia seu nome com o de outro preparador físico, chamando-o de Arrigo. Quando resolveu cortar pessoal, Matheus demitiu o preparador errado.
- Ele[Vicente Matheus] disse: “ô Arrigo, não fica bravo comigo... olha, eu não tô te mandando embora. Você só tá sendo dispensado porque não temos dinheiro...” Puta, que diferença...
Depois, foi para o Santos. As viagens internacionais eram muito comuns e raramente quem fazia parte da equipe e da comissão técnica conseguia ir pra casa. Quando ia, era para trocar a mala de roupa suja por uma de roupa limpa.
- Foi uma das melhores coisas da minha vida eu ter conhecido esse cara. A última camisa dele [no Santos] ele me deu.
O professor não economiza quando fala do Pelé, e adora contar histórias que mostram o exemplo de atleta que ele foi, como o fato de ele sempre perguntar como tinha ido ao final das partidas e pedir conselhos de como podia melhorar. Isso na década de 70, quando Pelé já tinha conquistado três copas e já era considerado o rei do futebol, apelido que até os colegas de Santos usavam com ele. Mesmo assim, não deve ter sido fácil (e é bem capaz que ainda não é) ser o Pelé.
- Sempre foi muito assediado, chorava... peguei ele várias vezes chorando.
O assédio era tão grande que o rei mal saia do quarto do hotel onde estava concentrado. Quando o Santos tinha uma folga que o pessoal podia voltar pra casa, Pelé ia falar com generais e coisas do gênero.
Nem tudo são rosas. Nem mesmo os elogios do professor.
- O Pelé quando falava dentro de campo, era melhor não responder. Vai pra casa, pensa e volta no dia seguinte pra responder, se não vai falar bobagem. Ele enxergava horrores. Dentro de campo. Fora de campo não, só falava merda.
A ida para o Nacional
Depois de sair do Santos, ele foi treinador no time do Londrina. Gostava do lugar e o time era bom, mas fora de campo a rivalidade entre Londrina e Grêmio Maringá, dois times do norte do Paraná, era intensa e muitas vezes resultava em casos de violência. Além disso, estava com três filhos pequenos – o mais velho nasceu no final de 1970 – e dois deles estavam doentes. Estava cansado de morar fora de São Paulo e não poder passar mais tempo com os filhos, o que aconteceu principalmente quando esteve no Santos. Nos três anos que morou na cidade, foi a praia com a esposa só três vezes.
Ainda no Londrina, Aguirre veio passar uns dias em São Paulo, e Chico Sarno convidou-o para ir até o Nacional. Eles tinham trabalhado juntos no Corinthians, e Aguirre mal se lembrava da última vez que tinha ido ao clube. Quando era criança, ele ia no restaurante da Salomina, uma tia da sua mãe. O restaurante ficava perto da estação da Água Branca, e foi lá que seu pai, que trabalhava na ferrovia e almoçava no restaurante, conheceu sua mãe. Sarno convidou-o para tomar uma cerveja, apesar do professor frisar algumas vezes que não é “bebedor de cerveja”. Os dois eram conhecidos, sendo que Aguirre era considerado um dos melhores preparadores físicos do país. Conversavam no restaurante quando o Moacir Boscardin, então presidente do Nacional, sentou junto com eles, e falou:
- Puxa, seria um sonho ter vocês aqui.
No que os dois responderam um “quem sabe” não muito interessado.
Dois dias depois, Aguirre foi na casa de seu pai, em Santana, e o encontrou com o jornal debaixo do braço.
- Ele falou para mim, me olhando com aqueles olhinhos: “É verdade, filho? É verdade que você vai pro meu time?”
O pai segurava a carteirinha da S.P.R. em uma das mãos. O filho tentou desconversar, disse que só tinha dado uma passada, mas o pai insistiu e mostrou o jornal com a notícia. Apesar de tentar desconversar, Aguirre ficou tocado com aquilo, e, depois de voltar para São Paulo, resolveu se oferecer para trabalhar no Nacional.
- Vim conversar com o doutor Moacir: e aí doutor, quando é que eu começo? Ele tomou um susto, “como, começa o quê?”, e eu disse: quando é que eu começo aquela proposta que o senhor me fez? “Olha, é um sonho, mas eu não tenho dinheiro pra pagar pra você” – eu era o cara mais bem pago do Brasil – eu falei, eu não falei em dinheiro, Moacir, eu quero saber se você quer que eu venha pra cá. Você me dá o dinheiro da gasolina, e pronto. Acabei ficando aqui, até hoje.
Começou como preparador físico, trabalhou como técnico, depois supervisor, coordenador. Segundo ele próprio, só não foi pai de Santo. Não que almejasse entrar nos cargos de diretoria, mas foi praticamente colocado lá porque não havia ninguém de confiança. Ele diz que o Nacional é um dos poucos clubes que não tem briga pelo poder – é quase o contrário. É difícil ter uma disputa entre chapas nas eleições para presidente.
Aquela resignação que tive impressão aparece só às vezes nas falas do professor. Até chega a se irritar, quando comenta que o presidente não dá ouvido pra alguns conselhos que ele dá em relação a pessoas que entram no clube e que ele considera “safados”. E faz questão de ressaltar que não se arrepende de ter ido para lá, e que fez só por causa “dos olhinhos de uma pessoa: meu pai”.
Terminei a última das duas visitas ouvindo o professor rejeitar uma viagem ao interior do estado junto com o clube porque um outro diretor iria. Agradeci a atenção e fui embora, deixando o seu Aguirre com suas desavenças internas e com a esperança de que alguém – de preferência com muito dinheiro – viesse para ajudar no Nacional.
Um comentário:
Embora a situação do time seja triste (e ainda mais triste por ser algo de certa forma comum no Brasil), o texto ficou muito bacana! Parabéns, Johnny!
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