Na avenida Marquês de São Vicente, ficam, lado a lado, os centros de treinamentos de Palmeiras e São Paulo, dois dos clubes mais queridos(e endinheirados) do país. A cor dos muros separa o território entre os dois rivais: o terreno palmeirense é pintado de verde, e o pedaço são-paulino é vermelho, com alguns azulejos decorativos nas cores vermelho, preto e branco. Logo em frente, do outro lado da avenida, um muro azul indica que lá fica a sede de outro clube paulistano, não tão cheio de títulos e (talvez até mesmo por isso) não tão popular, mas que também tem a sua parcela dentro da história do futebol de São Paulo. Esse é o Nacional Atlético Clube.
Os muros, além de indicar quem é o dono de qual pedaço, evidenciam que a distância entre os dois grandes de cá e o pequeno de lá é muito maior do que os dois sentidos da Marquês. As pixações do lado azul da avenida deixam aparente que aquele muro não recebe demãos de tinta com a mesma freqüência que os seus vizinhos.
Minha primeira visita ao Nacional foi para encontrar o professor Aguirre. Tinha tentado contato com ele por telefone, mas ou ele ainda não tinha chegado, ou então estava no campo. Conversei com alguém da faculdade que já tinha feito uma entrevista com ele, e que me aconselhou: vai direto lá, é mais fácil. Foi o que fiz.
Lá, o Ivan, um dos porteiros, disse que o seu Aguirre ainda não havia chegado. Fui esperar assistindo a um treino. No meio do caminho para o campo, achei um banheiro. A porta – adivinhe a cor – era de madeira e não tinha tranca. Achei o interruptor, mas no soquete não tinha a lâmpada. A sensação que eu tive lá dentro era muito semelhante ao dos vestiários do Botafogo da Vila Bela, um time de várzea que joguei dos catorze até os dezesseis.
Logo depois o Ivan me acenou de longe e então eu entrei na parte social do clube. Uma sala de espera com algumas cadeiras e várias coisas em madeira, como a vitrine com troféus. Perto da porta, os ponteiros do relógio de ponto faziam um senhor de um barulho. Ao lado, as fichas dos funcionários, com os nomes batidos à mão.
Toquei uma campainha em cima do balcão – daquelas de hotel de filme – e me indicaram a última sala à direita. Lá estava o professor Cláudio Aguirre, ex-preparador físico do Corinthians, Santos e da Seleção Brasileira, hoje diretor administrativo do Nacional.
Expliquei o motivo da entrevista, que estava fazendo um trabalho sobre o Nacional e também sobre o Juventus, porque ambos os clubes tinham participação dentro da história do futebol paulista e não estavam muito bem. O clube da Mooca caiu para a série A-3(terceira divisão) do campeonato paulista, e o Nacional para a gentilmente nomeada Segunda Divisão – que na prática é a quarta do futebol estadual, já que fica abaixo da A-3.
Fiz essa explicação com a maior sutileza que consegui encontrar na hora. A resposta do professor, sentado atrás de sua mesa, deu a impressão que eu não tinha sido sutil o suficiente.
- Mas nunca estivemos tão bem...
Me soou como uma mistura de desconfiança e resignação. De qualquer modo, ficamos marcados, e dois dias depois eu voltaria para fazer a entrevista.
No dia combinado, ele estava separando recortes de um jornal interno do clube, publicado na década de 90, com uma pequena história da fundação do Nacional. Mostrando o jornal, Aguirre me diz:
- Isso é da época que o clube vivia. Hoje ele vegeta.
Ao longo da conversa eu percebi que meu medo sobre a suposta resignação do professor não eram justificado. A entrevista não se limitou só sobre o clube, com o Aguirre muitas vezes falando – algumas delas quase sem parar – sobre sua vida dentro do futebol.
O capitão Coutinho e a Copa de 70
Cláudio Aguirre se formou na Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro, e lá foi professor durante a década de 60. Um de seus alunos foi Cláudio Coutinho, e depois iriam se tornar amigos, como mesmo classifica Aguirre, “meu irmãozão”. Foi Coutinho quem importou dos Estados Unidos as técnicas de preparação física do doutor Kenneth Cooper – é, esse mesmo do cooper – e começou a utilizá-las dentro do exército. Graças a ela Coutinho ganhou notoriedade. Mais tarde, essas mesmas técnicas foram aplicadas na preparação da seleção para a Copa do Mundo de 1970, no período em que o time ficou no Brasil.
- Ajudava na Seleção Brasileira em todos os treinamentos. Cansei de correr com o Tostão num bosque em Itanhangá.
Foi convidado pelo próprio Coutinho para integrar a equipe que ia para o México, mas recusou. Tinha acabado de se casar e imaginou que ia “acabar o casamento” se fosse viajar.
Quando fala do irmãozão Coutinho, o professor rasga elogios.
- Ele era um cara muito bacana, inteligente, gente finíssima, foi uma judiação ele ter morrido.
É nessa hora que ele muda o tom:
- Fui culpado da morte dele, não tinha nada que ensinar ele a mergulhar.
Coutinho morreu no final de 1981, quando praticava pesca submarina.
Um comentário:
Pergunta: desde quando o Palmeiras e São Paulo são os clubes mais queridos do país?
Pois, qualquer pessoa, seja ela quem for, sabe que os clubes mais simpáticos são: o Juventus, a Portuguesa, o Avaí, o São Bento e o Barueri, que conta com uma bateria que consegue ser pior que as do JUCA!
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