31 de ago. de 2009

Lapa à Lapa – O Convite

O celular vibrou no bolso da calça. Pensando ser algo sério, afinal quem ligaria para mim às 5 da tarde de uma quarta-feira chuvosa, estacionei o carro perto de uma casa abandonada e atendi a ligação do número desconhecido.

- Alô?
- Max! Você fica até que dia no seu trabalho?
- Alô?
- Você fica até que dia no seu trabalho?
- Quem é?
- É o Mário porra! E você fica até que dia no seu trabalho?
- Dia 14.
- Boa! É que eu to pensando em ir para o Rio de Janeiro passar um final de semana. Interessa?
- Sempre. Quem mais vai na brincadeira?
- Falei com o Joãozinho, Alan e com um colega da San Fran.
- Posso dar a minha resposta outro dia?
- Claro, mas não demore.

Desliguei o celular não colocando muita fé, afinal quantos projetos androceuticos naufragaram antes da primeira tábua ter sido cortada e colocada no píer? Porém, curiosamente, a voz de Mário tinha uma certeza que eu não ouvia há muito tempo.

Naquela noite, tentando fazer a melhor narração possível dentro das possibilidades que o meu ex-chefe oferecia a sua trupe de funcionários, cantarolava uma música. Curiosamente, não era um samba de Noel Rosa composto na Lapa fluminense no milênio passado. Morrendo na garganta, o som não era nada menos que um dos clássicos do Ultraje a Rigor: “Agora nós vamos invadir sua praia”.

30 de ago. de 2009

26 de ago. de 2009

25 de ago. de 2009

Para ler e pensar.

Os piratas brasileiros da Sea Shepherd (Brasileiros de Agosto)


Daniel Lisboa

Gunter Filho ainda não sabia, mas ao decidir assistir TV em certo dia de junho de 1992 começava a mudar sua vida. Eram tempos de ECO 92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD) que acontecia no Rio de Janeiro, e, entre as várias reportagens veiculadas, Gunter assistiu uma sobre a Sea Shepherd. A postura da tal organização de proteção ambiental chamou a atenção do então adolescente de 13 anos, e plantou a semente para uma relação que se iniciaria dez anos depois.

Embora estudasse Letras, Roberta Kleber sempre se interessou também por temas de outras áreas, inclusive aos relativos à preservação do meio ambiente e foi por isso que decidiu assistir à palestra de um certo capitão Paul Watson quando este foi à Unisinos, universidade em que ela estudava em São Leopoldo, na grande Porto Alegre. O ano era 2001 e, embora as ideias daquele barbudo com feições bonachonas tivessem agradado, Roberta achou que se envolver com a organização liderada por ele não era exatamente para ela. Estava enganada.

Quando adolescente no Rio de Janeiro, nos anos 1990, Daniel Vairo era chamado pelos amigos de "Pinguim". E não por ser uma pessoa fria, mas por sua íntima ligação com o mar. Surfar em Copacabana era uma rotina, e logo a relação de Daniel com o mar passou do simples entretenimento a um nível mais profundo. Também cidadão norte-americano, ele foi cursar o colegial nos EUA e, aos 16 anos, aprendeu sobre recuperação de animais marinhos. Ao resgatá-los das águas de Laguna Beach, na Califórnia, Daniel percebeu que a grande maioria dos ferimentos tratados eram causados por humanos. Uma perversa realidade que, em um amante do mundo marinho, não poderia surtir outro efeito senão o de fazer crescer a vontade de ajudar. Vontade que começaria a se transformar em prática quando, aos 17 anos, em 1992, Daniel folheava um livro sobre organizações ambientais e se interessou especialmente por uma.

Gunter, Roberta e Daniel não têm em comum apenas a preocupação com a destruição do ecossistema do planeta. Eles já foram voluntários daquela que é, provavelmente, a mais polêmica organização ambiental do mundo, a Sea Shepherd Conservation Society. Criada em 1977 pelo canadense Paul Watson, a entidade vem se tornando cada vez mais célebre por suas táticas agressivas de proteção à fauna marinha, em especial às baleias. Para fazer jus à denominação de "pastora" ou "guardiã" do mar, a Sea Shepherd diz já ter afundado dez navios baleeiros ao longo de sua história e se lança ao mar anualmente em missões de combate à caça ilegal das baleias próxima à Antártica.

Combater a violência à vida animal se valendo de aparente violência pode soar contraditório, mas a Sea Shepherd se orgulha de ter desenvolvido táticas não letais para infernizar a vida dos baleeiros e, oficialmente, nunca alguém foi ferido ou morto em ações da organização. Todos os navios afundados estavam atracados em portos e, na prática, é a intimidação a arma preferida. A bandeira usada pela Sea Shepherd em seus navios é negra, com uma caveira e o tridente de Netuno, o deus dos mares. Passa a ideia de que ali estão piratas do bem, porém piratas com todo o medo que sempre inspiraram oceanos afora.

Abalroar navios baleeiros, ou seja, colidir com eles para assustá-los é a tática mais usual da organização na hora do embate. Atirar contra os inimigos uma espécie de "bomba fedorenta", normalmente feita de manteiga estragada, é outra das armas utilizadas. Danificar a hélice dos navios baleeiros também faz parte do repertório, mas é complexo e perigoso e foram pouquíssimas as vezes em que deu certo.

Mas essas táticas não letais, ou pelo menos não tão agressivas, têm sido cada vez mais mal recebidas pelos oponentes da Sea Shepherd. A poderosa frota pesqueira japonesa, considerada a grande vilã dos mares, parece cada vez mais irritada com a organização, e vídeos divulgados recentemente na TV e na internet mostram respostas violentas. Membros da guarda costeira do Japão estariam armados entre a tripulação dos baleeiros. Para a Sea Shepherd, prova disso são as imagens que mostram o capitão Paul Watson sendo atingido por uma arma de fogo disparada de um baleeiro. O líder da organização só não correu o risco de morrer porque vestia um colete à prova de balas.

Não bastasse ter a Sea Shepherd em seu encalço em alto-mar, a indústria da pesca ilegal de baleias precisa aguentar também o grande crescimento da visibilidade da organização na mídia e de seu prestígio entre a população ao redor do mundo. "Whale Wars", programa do canal Animal Planet sobre o dia a dia dentro do navio da Sea Shepherd e que, segundo Gunter e Daniel, é totalmente fiel à realidade, tem sido um grande sucesso de audiência. Tanto que a segunda temporada já é transmitida nos EUA. Recentemente, o capitão Paul Watson e parte da tripulação foram ao talk-show de um dos apresentadores mais conhecidos do mundo, Larry King.

Uma organização odiada por países como a Noruega e o Japão, mas que tem status de herói em outros países europeus e na Austrália. Uma entidade que quase sempre atuou em uma espécie de "mundo underground" das causas ambientais, mas que hoje está na TV para quem quiser assistir e, extraoficialmente, tem entre seus doadores gente do porte do Rolling Stone Mick Jagger, a atriz Brigitte Bardot, o "James Bond" Pierce Brosnan e Richard Dean Anderson, o "MacGyver" da série televisiva. Uma organização com objetivos nobres, mas que se vale de expedientes discutíveis para atingi-los. Talvez só quem já foi um sea shepherd genuíno para tentar esclarecer essas contradições.

"Se você vê uma criança sendo espancada na rua, ou interfere para salvá-la ou faz de conta que não vê e segue o seu caminho. Ficar reclamando, escrever cartazes de protesto ou esperar que outro tome uma atitude não vai resolver." É com este exemplo que Gunter, hoje com 30 anos, ilustra sua defesa da postura adotada pela Sea Shepherd. Ele acredita na importância da "produção de conhecimento e divulgação de informações" para as causas ambientais, mas ressalta que "se não forem acompanhadas de ações que gerem resultado concreto, acabam se tornando pura psicologia".

Primeira viagem de Gunter
Gunter hoje vive em Berlim com Roberta, agora com 27 anos e sua mulher. Após anos de atuação como voluntários da Sea Shepherd, os dois decidiram dar um tempo à rotina das missões e devem abrir uma empresa na capital alemã. Gunter cursou biologia na Unisinos, onde conheceu Roberta e iniciou seu ativismo pró-Sea Shepherd. Se o envolvimento na divulgação da organização rendeu um convite para participar de uma missão em 2000, recusado por Gunter porque iria atrapalhar os estudos, dois anos depois o jovem não pensou duas vezes. Já praticamente formado, foi para a Nova Zelândia para embarcar com a Sea Shepherd em direção à Antártica.

Toda a região marítima ao redor do continente gelado é considerada o Santuário de Baleias do Oceano Antártico, criado em 1994 pela Comissão Baleeira Internacional (CIB). Na ocasião, 23 países votaram a favor da criação da área de proteção às baleias, menos o Japão. Em dezembro do ano passado, um decreto assinado pelo presidente Lula elevou as águas da costa brasileira também à categoria de santuário de animais marinhos. Desde então, oficialmente só é permitido caçá-los para "pesquisa científica e aproveitamento turístico ordenado". A medida poderá ser o primeiro passo para a criação de uma área de proteção que um dia envolva todo o Atlântico Sul.

"Eu embarquei sem nenhuma experiência em navegação e acabei na cozinha do navio", relembra Gunter. "Passamos 45 dias embarcados e foi sensacional. Estar ali, isolado em meio à imensidão do mar, te dá uma sensação de plenitude. Minha única frustração foi que não encontramos nenhum baleeiro nesta missão de 2002."

As missões da Sea Shepherd levam uma tripulação de, em média, 40 pessoas, todas aguardando por este que é o ponto alto e, ao final, a razão pela qual todos estão ali - deparar com caçadores de baleias. "Apesar dos perigos envolvidos, na hora de interceptar um baleeiro, é a adrenalina que fala mais alto", diz Gunter. Parte desses perigos está no fato de que o navio utilizado pela Sea Shepherd nas missões até 2007, o Farley Mowat, é da década de 1950 e, com suas 657 toneladas de peso, é muito menor e mais antigo que os integrantes da moderna frota baleeira japonesa. Ou seja, os combates eram algo como um chihuahua atacando rotweillers, e nunca ter ocorrido algo mais grave com o Farley Mowat é quase um milagre, em parte resultado da estrutura reforçada da embarcação. Já o navio utilizado pela organização nas missões hoje, o Steve Irwin, foi construído nos anos 1970 e pesa cerca de 1.011 toneladas. Além disso, pode alcançar 16 nós de velocidade, contra modestos 10 do Farley Mowat.

Algumas vezes, porém, o perigo se encontra em terra e não em mar, como bem sabe Gunter. Na campanha de 2005/2006, já ao lado da então namorada Roberta, ele seguiu com o Farley Mowat para a África do Sul após uma missão considerada bem-sucedida. "Chegando lá, as autoridades locais exigiram documentos que o navio simplesmente não poderia ter, porque não era um navio comercial", conta Gunter. Resultado: aquela que, para ele, foi a experiência mais amedrontadora de seus tempos de Sea Shepherd.

"Por causa da pressão política do Japão junto à África do Sul, passamos 40 dias praticamente presos no porto da Cidade do Cabo. Era um ambiente hostil, cheio de navios pesqueiros e de frente para uma via conhecida como a avenida do estupro. Isso em um país recordista em casos de AIDS", lembra. Como se não bastasse, o capitão Paul Watson já não estava junto à tripulação durante o incidente e, promovido ao posto de 1º oficial, Gunter ficou responsável por resolver todo aquele imbróglio. "Depois de insistir em dialogar com as autoridades sul-africanas, decidimos que fugir seria a única solução." E, durante a madrugada do dia 16 de junho de 2006, a tripulação soltou as cordas que prendiam o Farley Mowat, ligou os motores e zarpou da Cidade do Cabo. Já era tarde quando os sul-africanos se deram conta do que havia acontecido, e a Sea Shepherd rumou para a longínqua Fremantle, na costa oeste da Austrália. Lá, foram recebidos como heróis e a fuga rendeu um processo por incompetência para o capitão Mowdak, da marinha da África do Sul.

Roberta vai para cozinha
Quando, literalmente, aceitou embarcar na aventura do namorado no final de 2005, Roberta passou por apuros maiores em seus primeiros dias. Além da também inexperiência em navegar, sofreu de terríveis enjoos e teve dificuldades em se comunicar, já que a língua de bordo é o inglês e ela só dominava o alemão. Roberta também foi trabalhar na cozinha e, se o tempo ajudou a aliviar os problemas, ela ainda não estava plenamente preparada para o que viria encarar no exato dia de Natal daquele ano: o primeiro confronto com um baleeiro.

"Em meio a neblina e enormes ondas, nos deparamos com o Nisshin Maru, o navio-fábrica da frota japonesa. Foi tudo muito rápido e o caos se instalou entre a tripulação menos preparada, que não sabia muito bem o que fazer para se proteger na hora em que fôssemos abalroar o navio. Meu medo era de que o Nisshin Maru partisse o Farley Mowat ao meio. Chegamos a colocar nossos trajes especiais para gelo. Felizmente, o Nisshin Maru acabou mudando o percurso na última hora e fugiu, o que consideramos uma vitória."

Passada a tensão, Roberta foi ajudar a preparar a refeição de Natal. A necessidade em se adaptar às peculiares regras da cozinha da Sea Shepherd a ajudou a desenvolver dotes culinários. Durante as missões, absolutamente nenhuma carne ou derivado é servida dentro do navio. Aliada ao fato de que nem sempre a variedade de alimentos à disposição é grande, essa realidade obriga os cozinheiros a usarem a criatividade. Foi o que fez Roberta, e hoje ela e Gunter esperam abrir em breve um restaurante vegetariano em Berlim.

Roberta acredita que a forma de atuação da Sea Shepherd ajuda a trazer os problemas ambientais à tona, e chama mais a atenção que outras maneiras usuais de ativismo. E lembra que, embora a organização "faça justiça com as próprias mãos", o faz "dentro de tratados que dão sustentação às suas reivindicações" e "nunca foi condenada na justiça por nenhuma das ações que praticou". E vai mais longe: "Se tivéssemos mais organizações do tipo agindo, por exemplo, na Amazônia, quem sabe teríamos melhores resultados".

Daniel começa na limpeza
Depois de conhecer a Sea Shepherd por meio do livro sobre organizações ambientais, Daniel Vairo decidiu ir até o navio da organização, aportado em Los Angeles. Foi recebido pelo próprio Paul Watson e começou a atuar como voluntário ajudando na limpeza do porão do navio. Continuou a se envolver com a organização até completar 18 anos e a realizar o que realmente queria - embarcar em uma missão.

A primeira delas foi curta, uma viagem à ilha de Catalina, na costa da Califórnia, para o monitoramente de danos à população local de golfinhos. O que Daniel considera o turning point de sua história viria em 1994, depois de terminar o colegial. "Foi totalmente surreal, como quase tudo que envolve a Sea Shepherd. Saímos da Noruega para uma missão de proteção às baleias e acabamos atacados", conta.

O que aconteceu, segundo Daniel, foi que a marinha norueguesa se cansou de pedir que a Sea Shepherd se afastasse dos baleeiros e por fim utilizou explosivos para destruir o casco do navio da organização na época, o Whales Forever. O que poderia ter terminado em tragédia teve um desfecho um tanto cinematográfico - a Inglaterra recebeu o pedido de socorro da tripulação e enviou dois caças para escoltar o Whales Forever até o Reino Unido. Com jornalistas a bordo do navio, a história do ataque correu o mundo e a credibilidade da Sea Shepherd ganhou pontos preciosos.

Daniel conta que sempre aproveitou as vindas ao Brasil para divulgar a organização também por aqui, mas foi em 1999 que um sonho se materializou. "Depois de algumas tentativas frustradas, levei mais uma vez ao Paul Watson o meu projeto de abrir um escritório da Sea Shepherd no Brasil. Para a minha surpresa, ele disse 'tudo bem'." A partir dali, Daniel teria a responsabilidade de ser o fundador da Sea Shepherd Brasil, sediada em Porto Alegre, e dividir seu tempo entre a companhia de navegação para a qual trabalha e o posto de diretor geral da instituição.

A ironia é que Daniel precisa lidar com a contradição de trabalhar para uma empresa que transporta petróleo - atividade que sempre envolve um alto risco ao meio ambiente - e defender a fauna marinha com unhas e dentes. Ele atribui essa situação ao fato de não poder fazer da Sea Shepherd uma carreira, ou seja, trabalhar apenas para a entidade. Nela, todos são considerados voluntários e, mesmo quem ocupa cargos mais altos, recebe apenas uma ajuda de custo.

Ainda longe de contar com a estrutura da "sede" norte-americana, a Sea Shepherd Brasil desenvolveu, de acordo com Daniel, a primeira rede de pessoas capacitadas para recuperar animais marinhos atingidos por derramamentos de petróleo no País, além de ser a responsável também pela primeira ação civil pública contra a pesca ilegal.

Apesar da exposição cada vez maior na mídia e do apoio mundo afora, a Sea Shepherd ainda está bem atrás de outras organizações ambientais em assunto de dinheiro e donativos. A comparação com, por exemplo, o Greenpeace, dá a dimensão dessa distância - segundo Daniel, a Sea Shepherd arrecada em torno de 2 milhões de dólares anuais em todo o mundo, enquanto só a Greenpeace Brasil, de acordo com seu relatório de 2007, arrecadou naquele ano 12 milhões de reais ou cerca de 6 milhões de dólares. Essa transformação da organização em uma espécie de celebridade endinheirada, e o modo de atuação antagônico ao da Sea Shepherd, está no centro das divergências entre as duas entidades. Conforme relata Gunter, existe inclusive uma proibição, por parte da liderança do Greenpeace, de qualquer comunicação com a Sea Shepherd quando ambas se encontram em missões em alto-mar. Uma ironia quando se sabe que Paul Watson, com o seu colega Robert Hunter, é um dos fundadores também do Greenpeace.

Dimensionar os resultados conquistados pela Sea Shepherd é relativo, mas a organização considera que, por exemplo, foi a responsável pela grande queda no número de baleias caçadas no ano passado. De acordo com o divulgado pelo site da entidade, o Institute for Cetacean Research (Instituto de Pesquisas de Cetácios) revelou que nesse período apenas 679 baleias, da meta do baleeiros japoneses de 935, foram mortas. Essa queda teria sido causada, segundo a própria Agência de Pesca do Japão, pela atuação dos ativistas. E o fato dos números serem divulgados por uma instituição de pesquisa é parte da "maquiagem" japonesa para ocultar as reais intenções dos baleeiros - a pesca de baleia em si é proibida em todo o mundo desde 1980, mas uma brecha na lei, que permite o abate dos animais para pesquisa, é usada descaradamente. Tanto que, normalmente, os baleeiros trazem a inscrição "pesquisa" em seus cascos. Se existe a chance de um navio inocente ser atacado pela Sea Shepherd? "Com certeza não. Não existe pesquisa nenhuma e a própria Revista Science já disse que os japoneses nunca publicaram um artigo científico sequer sobre baleias", diz Gunter.

Se os japoneses ainda tentam se valer de brechas legais para a matança, a Islândia e a Noruega sempre manifestaram reservas em relação à moratória de caça às baleias. São os únicos países do mundo a permitirem oficialmente a caça comercial aos animais, normalmente executados em suas águas costeiras.

Time divulga os 50 melhores sites do momento

Da Agência Androceu


Revista americana deixa de fora Blog Androceu. A medida gera repercursão quase imediata em todo o mundo. Segundo o moderador, não há motivos para se primar cânico.


A revista americana Time divulgou nesta segunda-feira (24) uma lista com os 50 melhores sites do ano de 2009. Na lista, alguns gigantes da Internet, como o como o Google, a Wikipedia, oYouTube, além Twitter ocuparam a lista. Curiosamente o título de melhor site do ano ficou com o Flickr, que desbancou o Google como site preferido dos internautas. Veja a lista completa aqui

O Androceu concorreu em três categorias: melhor TV na Internet, melhor podcast e melhor blog. Na categoria televisão, a favorita TV Androceu, que mantém o melhor da Internet 24 horas no ar perdeu para a desconhecida hulu.com, site que disponibiliza diversos filmes e programas de TV gratuitamente. No quesito música e podcast, nova derrota do BLOG ANDROCEU. Com as férias glaciais do Podcast do Androceu ( não se preocupem que estamos voltando também...), a lastfm acabou levando o troféu para casa. O Blog Androceu, também favorito em sua categoria, foi derrotado para o diário virtual do presidente Barrack Obama, que postou na última semana o desejo de conhecer os membros do Blog Androceu para discutir soluções à crise econômica e a estatização da PUC.


Logo após a anunciação de todos os vencedores e nenhuma premiação para o grupo midiático oriundo da PUC-SP, centenas de manifestantes interditaram as principais vias públicas do mundo. Em São Paulo, por exemplo, centenas de pessoas ocuparam o vão do Masp (Museu de Arte Moderna) em um ato pacífico e só dispensaram após a polícia prometer cerveja e rosquinhas para todo mundo.

Até o momento apenas uma pessoa se encontra presa devido à premiação. Trata-se da estudante Sofia, 17 anos, que em um ato de coragem tirou a roupa e correu contra os policiais. Zé Celso, que ressurgiu na grande mídia após ter anunciado que a história do Blog Androceu seria o mote de sua próxima peça, declarou que a jovem terá papel fundamental na sua nova empreitada.

Questionado que papel ela faria na peça, uma vez que os principais atores serão homens, o dramaturgo disse que teria uma conversa franca com ela em seu apartamento sobre isso.

O atual moderador do aglomerado informou, através do Twitter, que já pensa em processar o tablóide americano, porém, em entrevista à Agência Androceu, disse que foi uma declaração mal-pensada, discorda do prêmio e disse que o Blog Androceu em breve soltará uma lista com os 50 melhores sites do mundo na opinião da equipe.


24 de ago. de 2009

Androceu Futsal Clube- Wikipédia, a enciclopédia livre

Documento da fundação do time, que foi registrado em cartório


O Androceu Futsal Clube representa os membros do Blog Androceu nas competições futebolísticas universitárias. O time é formado por atletas semi profissionais e é convocado em raras oportunidades.


História
Após a fundação oficial do Blog Androceu, em 2006, foram organizados alguns campeonatos internos de futebol virtual. Mas foi apenas depois do fracasso do time da PUC no JUCA daquele mesmo ano, humilhado pelo Mackenzie, que os membros do blog se mobilizaram para criar sua própria equipe.
A estréia ocorreu no segundo semestre de 2006, contra um combinado FEA- Direito. O time perdeu por 2X0.


Estilo de jogo
Treinado pelo experiente Max F. (que também atua como jogador em certas ocasiões), o Androceu FC joga no clássico 3-0-1. Um sistema extremamente defensivo e retranqueiro: são três homens atuando na defesa, sem passar do meio do campo, e um centroavante isolado na frente.


Melhor resultado
O Androceu FC conseguiu perder de apenas 1X2 em uma oportunidade.


Pior resultado
Vítima de uma armação de um criminoso da Galeria do Rock, o time sofreu a maior goleada de sua história: 15X0.


Última convocação

O último jogo do time ocorreu em 3/3/08. Essa foi a lista de convocados:


Posição_______ Nome ___________Clube

GK_________ João C. M.________
Murata (San Marino)
DF _________Alan M. __________
Vikingur (Ilhas Faroe)
DF _________Max F.___________ M. Ironi Amishav (Israel)
DF_________ Renê A.___________ FFLCH Rugby-SP (Brasil)
MF_________ Otávio S.__________ Rudeness-SP (Brasil)
MF _________Thomas P._________
Caxambuense- MG (Brasil)
MF _________Gustavo S._________ Široki Brijeg (Bósnia)
FW _________Carlos M.___________ A. Sorocaba-SP (Brasil)

Comissão técnica: Bruno P., Max F. e Mario B.

15 de ago. de 2009

Uma vez Pineville (blog O Filóide)




Quase cinco meses depois de ter voltado para o Brasil, só agora parei para rever, com calma, as fotos que fiz enquanto morei em Pineville, cidadezinha mínima localizada no estado da Louisiana, nos Estados Unidos.
Lembrei especificamente do dia em que fizemos esta foto daí de cima, numa pequena festa no apartamento do Omar, o cara de camiseta branca.
Um dia antes daquele encontro, o meu amigo César, de jaqueta de couro preta, queria matar Omar. Matar mesmo, a facadas.
Escrevi sobre o episódio para o meu novo blog, o Filóide. O texto se chama “Amor Colombiano”.
O engraçado é que, no dia seguinte, passada a vontade de matar Omar, lá estava César, bêbado, com nós... Omar, seus primos e eu. Foi um dos melhores dias que tive nos Estados Unidos. Mas no texto, explico o motivo que levou meu amigo colombiano a querer dar fim à vida do Omar. Tem a ver com mulher, claro.

13 de ago. de 2009

A Vida é uma Bósnia III²

Depois de um tempo (35 minutos cronometrados no relógio, ou os 20 minutos bósnios mais longos da minha vida), a caminhada acabou. O ponto final, que na verdade era o ponto de encontro para o início da marcha, era em frente à escola da cidade, um prédio não muito maior do que uma casa, diferenciando-se apenas no estado: estava inteiro, recém-reformado, mas ainda sem a pintura. As casas, ao contrário, ainda mostravam as cicatrizes da guerra – marcas de bala e de explosões, principalmente.

Do lado da escola havia uma casa cujo segundo andar a organização do evento usava para dar seus recados, todos em bósnio, amplificados por uma caixa de som improvisada. Logo em baixo, na rua ainda de terra e pedras, havia uma mesinha em que pessoas poderiam retirar um crachá (que, mais tarde, eu descobri que seria a chave de entrada para dormir no acampamento em Potočari, a última noite da marcha). Fui lá procurar Omerović, a pessoa que levaria minha mochila para Srebrenica. Reconheci algumas pessoas da mesa, mas ele não estava lá. Uma delas telefonou para Omerović e, em menos de um minuto, ele estava ali na minha frente.

-Venha comigo, ele disse, suando mais do que quando eu o conheci.

Omerović levou-me para uma casinha próxima à aglomeração, e pediu que eu deixasse minha mochila ali junto com outra dezena que estava no chão.

-Algumas vans e caminhões vão levar o material das equipes de televisão que vão acompanhar a marcha, mais bagagens de outras pessoas. Eu colocarei a sua lá também. Se você precisar pegar alguma coisa depois, pode ligar no meu celular no primeiro acampamento. Eu também vou participar da marcha e estarei lá no fim do dia.

Maravilha. Estava 12 quilos mais leve e razoavelmente despreocupado com o futuro de todas as minhas coisas, inclusive meu laptop, que estavam na mochila. Omerovic estava inquieto, e ainda tinha muito o que fazer. O início da marcha estava marcado para as 9h00 e naquele momento, às 8h20, a organização corria para fazer tudo funcionar até a hora planejada. Despedimo-nos brevemente e ele sumiu no meio da aglomeração.

Fui procurar os alemães que seriam meus melhores amigos nos próximos dias. Eles não estavam mais no lugar onde paramos. De repente, Jonas apareceu e me levou ao novo ponto. Todos estavam ali: John, Sarah, a escritora, Antonia, outra alemã que estava na Bósnia fazendo serviço social e morava com Jonas e John na periferia de Tuzla, e o homem que os acompanhavam, Kadia Muhić. Jonas fez as apresentações, e o papo ficou para depois – todos estavam cansados pela caminhada ladeira acima rumo a Nezuk, e, além do mais, sabíamos que teríamos muito tempo para conversar.

Ao nosso redor, havia todo o tipo de gente. Homens, mulheres, magros, gordos, velhos, crianças com seus 10 anos, moradores de Nezuk (era fácil identificá-los: eles não carregavam nenhuma mochila, estavam mais arrumados do que o resto, e observavam de longe a todos), estrangeiros como eu, jornalistas e suas equipes fazendo entrevistas e capturando imagens, bandeiras (muitas da Bósnia Herzegóvina e da Federação, algumas da Turquia, uma da Palestina, uma semelhante à da Arábia Saudita, verde com mensagens em árabe, e uma, branca, com “Srebrenica – 1995”, rodeada de fotos de homens com seus nomes logo abaixo – provavelmente vítimas do massacre), e uma classe especial: as pessoas de camisa laranja com os dizeres na parte de trás:

Učesnik Marša Smrti Jula 1995

A tradução, em inglês, vinha logo abaixo: Participante da Marcha da Morte – Julho de 1995. Em outras palavras, aquilo dizia: sou um sobrevivente.

Às 9h10, um dos organizadores pegou o microfone e começou a falar. Todos prestavam atenção. Eu não entendia nada, mas pelo jeito ele anunciava o início da marcha. Quando havia uma pequena pausa, Jonas me dava o resumo:

-Ele agradece a todos pela presença e diz que é muito importante que todos estejam aqui pela causa de Srebrenica.

-Ele pede para que não haja provocações, principalmente religiosas, já que nem todos aqui são muçulmanos, e que também as pessoas não se envolvam em confusões no meio do caminho com sérvios e policiais.

-Eles estão rezando.

-A marcha vai começar agora.

11 de ago. de 2009

A Vida é uma Bósnia III

Acordei às 5h00, para tomar aquele que eu já tinha certeza que seria meu último banho nos próximos dias – e, de fato, foi mesmo. As mochilas já estavam arrumadas e separadas: uma, com toda a tralha trazida do Brasil, e outra com meus suprimentos para a marcha: câmeras, um caderno de capa dura, um caderninho comprado em Srebrenica, caneta, gravador, uma camisa, uma cueca, um par de meias e uma calça de ginástica. No corpo, a camisa mais leve à disposição, uma calça de ginástica, óculos e meu all-star nos pés. Não era o ideal para andar 120 quilômetros, mas eu não tinha muito mais opções.

O café da manhã seria servido às 6h30, então fui procurar meu transporte com o que tinha no estômago: uma pizza, uma panqueca de chocolate com sorvete e uma coca-cola, ingeridos na noite anterior. Eu não tinha comprado nenhuma comida, nem mesmo uma garrafa de água mineral. Àquela hora, seria impossível conseguir algo. Além do mais, uma pequena aglomeração já se formava no local combinado onde sairia o ônibus. Não havia tempo para mais nada, apenas pagar o hotel e arrumar um lugar.

Eram quatro ônibus ao todo. Às 5h40, pouca gente tinha entrado nos veículos. A primeira coisa a fazer era achar alguém que falasse inglês para me explicar o que eu deveria fazer para conseguir um lugar. Com algum custo, encontrei um rapaz, que falava pouco, mas o suficiente para mim: eu devia assinar meu nome, cidade e data de nascimento em uma lista que estava circulando, e pegar uma espécie de credencial para entrar. Cinco minutos depois, eu já estava no ônibus, sentado ao lado de um adolescente de uns 16 anos que não entendia nada do que eu dizia.

A viagem até Nezuk durou 40 minutos. Ou melhor, a viagem até o início de uma estradinha de terra e pedra que levaria a todos até Nezuk durou 40 minutos. O resto do caminho teria que ser feito a pé, porque seria impossível os ônibus trafegarem por aquele lugar estreito, que já estava um caos: pessoas e carros subindo, carros descendo, e uma lama que dava pistas que havia chovido na noite anterior.

Ao descer do ônibus, um grupo de jovens (duas meninas e três meninos, nenhum com mais de 18 anos aparente) veio em minha direção. Um deles falou, em inglês:

-Se você quiser, pode ficar com a gente.

Era tudo o que eu precisava, um grupo. Não pensei duas vezes, e segui com eles os primeiros passos de uma caminhada que duraria 20 minutos. Pelo menos foi o que eles haviam ouvido e repassado para mim.

Eu só conversava com Ramo, um dos rapazes do grupo – os outros não entediam inglês, e conversam entre eles sem dar muita atenção a mim. Todos estavam participando da marcha pela primeira vez. A razão para tal era aquela que a organização do evento esperava de todos: chamar a atenção do mundo para Srebrenica. Ramo e sua turma tinham mais um motivo para participarem: a aventura em si, de estarem fora de casa para percorrerem um caminho que nem eles tinham a noção exata – e muito menos eu.

Entre risadas e papos exaltados, Ramo foi desviando suas atenções para o seu grupo, e eu me isolava deles. Poucos minutos depois, alguém do meu lado, em inglês claríssimo, disse:

-Você estava no ônibus de Tuzla, né?

-Sim, sim.

-Eu me chamo Jonas. Eu vi que você parecia um pouco perdido e precisava de alguém que falava inglês no ônibus. Você já conseguiu o que queria? Está tudo certo?

-Sim, sim. Na verdade, eu queria saber o que eu precisava fazer para entrar no ônibus para vir para cá.

-Bom, se você precisar de alguma coisa, é só pedir. Estou eu e mais três amigos, e mais aquele homem que está logo ali na frente.

Jonas Engelbreth é alemão, nascido em Berlim, e estava na Bósnia desde dezembro de 2008, fazendo trabalho social em uma ONG. Vivia e trabalhava na periferia de Tuzla, com “jovens problemáticos”, nas palavras dele. Tinha 24 anos, mas aparentava menos. Era franzino, cabelos louros e bem curtos, algumas espinhas na pele e uma mancha no dente da frente, causada provavelmente pelo cigarro – em 15 minutos, sacou dois de seu maço Drina e fumou sem ofegar.

Eu, sem fumar, não conseguia sequer conversar direito. Estava com uma mochila de pelo menos 12 quilos nas costas e outra de dois na frente, subindo um caminho que não dava pistas de acabar, suando como um maratonista graças ao céu poético, sem nuvens, e com um sol de rachar, coberto em alguns momentos pelas árvores que estavam por todo o lugar. E a marcha nem havia começado ainda.

-Mas o que você está fazendo aqui?, Jonas me perguntou. Expliquei o de sempre, adicionando à explicação que havia sido convencido a estar ali por uma pessoa que eu conheci em minha primeira visita a Srebrenica – a pessoa que iria levar meu fardo de 12 quilos direto para a cidade e ia me deixar mais livre, leve e solto.

-Você deveria falar com uma das meninas que está aqui com a gente, a Sarah. Ela também está escrevendo um livro.

Sarah não estava à vista. Em compensação, um dos amigos de Jonas nos alcançou. Era Jonathan, ou simplesmente John, como ele mesmo se apresentou. Logo de cara, John me chamou a atenção. Provavelmente eu era o único brasileiro naquela caminhada, mas ele era, certamente, a única pessoa usando uma camisa escrita “Brasil”.

John também era alemão, e estava na Bósnia desde fevereiro, também fazendo trabalho social na periferia de Tuzla. Antes de chegar ao país estava na Inglaterra, mais precisamente em Brighton, estudando e morando com a namorada, que, adivinhe, era brasileira, filha de pai inglês, e vivendo há uns bons anos na Europa.

-Mas e vocês se comunicam em que língua?, perguntei.

-Não há língua para o amor.

O humor britânico encontra o humor brasileiro. E eu tinha acabado de encontrar um cara que valia à pena tomar umas cervejas junto.

8 de ago. de 2009

O homem que abriu mão da Copa de 70 - II

Reis também choram

No final de 1970 Aguirre voltou para São Paulo para assumir uma cadeira no magistério do antigo Departamento de Educação Física. Em 71, foi contratado para trabalhar no Corinthians, e saiu de lá quando Vicente Matheus assumiu a presidência. O relacionamento dos dois era bom, brincavam entre si, e Matheus chegou até a oferecer para o preparador físico sua Mercedes enquanto viajava pela Europa.

- Tá brincando? Se eu arranhar esse carro, vou ter que trabalhar a vida inteira no Corinthians para pagar a conta.

Foi demitido porque o presidente confundia seu nome com o de outro preparador físico, chamando-o de Arrigo. Quando resolveu cortar pessoal, Matheus demitiu o preparador errado.

- Ele[Vicente Matheus] disse: “ô Arrigo, não fica bravo comigo... olha, eu não tô te mandando embora. Você só tá sendo dispensado porque não temos dinheiro...” Puta, que diferença...

Depois, foi para o Santos. As viagens internacionais eram muito comuns e raramente quem fazia parte da equipe e da comissão técnica conseguia ir pra casa. Quando ia, era para trocar a mala de roupa suja por uma de roupa limpa.

- Foi uma das melhores coisas da minha vida eu ter conhecido esse cara. A última camisa dele [no Santos] ele me deu.

O professor não economiza quando fala do Pelé, e adora contar histórias que mostram o exemplo de atleta que ele foi, como o fato de ele sempre perguntar como tinha ido ao final das partidas e pedir conselhos de como podia melhorar. Isso na década de 70, quando Pelé já tinha conquistado três copas e já era considerado o rei do futebol, apelido que até os colegas de Santos usavam com ele. Mesmo assim, não deve ter sido fácil (e é bem capaz que ainda não é) ser o Pelé.

- Sempre foi muito assediado, chorava... peguei ele várias vezes chorando.

O assédio era tão grande que o rei mal saia do quarto do hotel onde estava concentrado. Quando o Santos tinha uma folga que o pessoal podia voltar pra casa, Pelé ia falar com generais e coisas do gênero.

Nem tudo são rosas. Nem mesmo os elogios do professor.

- O Pelé quando falava dentro de campo, era melhor não responder. Vai pra casa, pensa e volta no dia seguinte pra responder, se não vai falar bobagem. Ele enxergava horrores. Dentro de campo. Fora de campo não, só falava merda.

A ida para o Nacional

Depois de sair do Santos, ele foi treinador no time do Londrina. Gostava do lugar e o time era bom, mas fora de campo a rivalidade entre Londrina e Grêmio Maringá, dois times do norte do Paraná, era intensa e muitas vezes resultava em casos de violência. Além disso, estava com três filhos pequenos – o mais velho nasceu no final de 1970 – e dois deles estavam doentes. Estava cansado de morar fora de São Paulo e não poder passar mais tempo com os filhos, o que aconteceu principalmente quando esteve no Santos. Nos três anos que morou na cidade, foi a praia com a esposa só três vezes.

Ainda no Londrina, Aguirre veio passar uns dias em São Paulo, e Chico Sarno convidou-o para ir até o Nacional. Eles tinham trabalhado juntos no Corinthians, e Aguirre mal se lembrava da última vez que tinha ido ao clube. Quando era criança, ele ia no restaurante da Salomina, uma tia da sua mãe. O restaurante ficava perto da estação da Água Branca, e foi lá que seu pai, que trabalhava na ferrovia e almoçava no restaurante, conheceu sua mãe. Sarno convidou-o para tomar uma cerveja, apesar do professor frisar algumas vezes que não é “bebedor de cerveja”. Os dois eram conhecidos, sendo que Aguirre era considerado um dos melhores preparadores físicos do país. Conversavam no restaurante quando o Moacir Boscardin, então presidente do Nacional, sentou junto com eles, e falou:

- Puxa, seria um sonho ter vocês aqui.

No que os dois responderam um “quem sabe” não muito interessado.

Dois dias depois, Aguirre foi na casa de seu pai, em Santana, e o encontrou com o jornal debaixo do braço.

- Ele falou para mim, me olhando com aqueles olhinhos: “É verdade, filho? É verdade que você vai pro meu time?”

O pai segurava a carteirinha da S.P.R. em uma das mãos. O filho tentou desconversar, disse que só tinha dado uma passada, mas o pai insistiu e mostrou o jornal com a notícia. Apesar de tentar desconversar, Aguirre ficou tocado com aquilo, e, depois de voltar para São Paulo, resolveu se oferecer para trabalhar no Nacional.

- Vim conversar com o doutor Moacir: e aí doutor, quando é que eu começo? Ele tomou um susto, “como, começa o quê?”, e eu disse: quando é que eu começo aquela proposta que o senhor me fez? “Olha, é um sonho, mas eu não tenho dinheiro pra pagar pra você” – eu era o cara mais bem pago do Brasil – eu falei, eu não falei em dinheiro, Moacir, eu quero saber se você quer que eu venha pra cá. Você me dá o dinheiro da gasolina, e pronto. Acabei ficando aqui, até hoje.

Começou como preparador físico, trabalhou como técnico, depois supervisor, coordenador. Segundo ele próprio, só não foi pai de Santo. Não que almejasse entrar nos cargos de diretoria, mas foi praticamente colocado lá porque não havia ninguém de confiança. Ele diz que o Nacional é um dos poucos clubes que não tem briga pelo poder – é quase o contrário. É difícil ter uma disputa entre chapas nas eleições para presidente.

Aquela resignação que tive impressão aparece só às vezes nas falas do professor. Até chega a se irritar, quando comenta que o presidente não dá ouvido pra alguns conselhos que ele dá em relação a pessoas que entram no clube e que ele considera “safados”. E faz questão de ressaltar que não se arrepende de ter ido para lá, e que fez só por causa “dos olhinhos de uma pessoa: meu pai”.

Terminei a última das duas visitas ouvindo o professor rejeitar uma viagem ao interior do estado junto com o clube porque um outro diretor iria. Agradeci a atenção e fui embora, deixando o seu Aguirre com suas desavenças internas e com a esperança de que alguém – de preferência com muito dinheiro – viesse para ajudar no Nacional.

5 de ago. de 2009

O homem que abriu mão da Copa de 70 - I

Na avenida Marquês de São Vicente, ficam, lado a lado, os centros de treinamentos de Palmeiras e São Paulo, dois dos clubes mais queridos(e endinheirados) do país. A cor dos muros separa o território entre os dois rivais: o terreno palmeirense é pintado de verde, e o pedaço são-paulino é vermelho, com alguns azulejos decorativos nas cores vermelho, preto e branco. Logo em frente, do outro lado da avenida, um muro azul indica que lá fica a sede de outro clube paulistano, não tão cheio de títulos e (talvez até mesmo por isso) não tão popular, mas que também tem a sua parcela dentro da história do futebol de São Paulo. Esse é o Nacional Atlético Clube.
Os muros, além de indicar quem é o dono de qual pedaço, evidenciam que a distância entre os dois grandes de cá e o pequeno de lá é muito maior do que os dois sentidos da Marquês. As pixações do lado azul da avenida deixam aparente que aquele muro não recebe demãos de tinta com a mesma freqüência que os seus vizinhos.
Minha primeira visita ao Nacional foi para encontrar o professor Aguirre. Tinha tentado contato com ele por telefone, mas ou ele ainda não tinha chegado, ou então estava no campo. Conversei com alguém da faculdade que já tinha feito uma entrevista com ele, e que me aconselhou: vai direto lá, é mais fácil. Foi o que fiz.
Lá, o Ivan, um dos porteiros, disse que o seu Aguirre ainda não havia chegado. Fui esperar assistindo a um treino. No meio do caminho para o campo, achei um banheiro. A porta – adivinhe a cor – era de madeira e não tinha tranca. Achei o interruptor, mas no soquete não tinha a lâmpada. A sensação que eu tive lá dentro era muito semelhante ao dos vestiários do Botafogo da Vila Bela, um time de várzea que joguei dos catorze até os dezesseis.
Logo depois o Ivan me acenou de longe e então eu entrei na parte social do clube. Uma sala de espera com algumas cadeiras e várias coisas em madeira, como a vitrine com troféus. Perto da porta, os ponteiros do relógio de ponto faziam um senhor de um barulho. Ao lado, as fichas dos funcionários, com os nomes batidos à mão.
Toquei uma campainha em cima do balcão – daquelas de hotel de filme – e me indicaram a última sala à direita. Lá estava o professor Cláudio Aguirre, ex-preparador físico do Corinthians, Santos e da Seleção Brasileira, hoje diretor administrativo do Nacional.
Expliquei o motivo da entrevista, que estava fazendo um trabalho sobre o Nacional e também sobre o Juventus, porque ambos os clubes tinham participação dentro da história do futebol paulista e não estavam muito bem. O clube da Mooca caiu para a série A-3(terceira divisão) do campeonato paulista, e o Nacional para a gentilmente nomeada Segunda Divisão – que na prática é a quarta do futebol estadual, já que fica abaixo da A-3.
Fiz essa explicação com a maior sutileza que consegui encontrar na hora. A resposta do professor, sentado atrás de sua mesa, deu a impressão que eu não tinha sido sutil o suficiente.
- Mas nunca estivemos tão bem...
Me soou como uma mistura de desconfiança e resignação. De qualquer modo, ficamos marcados, e dois dias depois eu voltaria para fazer a entrevista.
No dia combinado, ele estava separando recortes de um jornal interno do clube, publicado na década de 90, com uma pequena história da fundação do Nacional. Mostrando o jornal, Aguirre me diz:
- Isso é da época que o clube vivia. Hoje ele vegeta.
Ao longo da conversa eu percebi que meu medo sobre a suposta resignação do professor não eram justificado. A entrevista não se limitou só sobre o clube, com o Aguirre muitas vezes falando – algumas delas quase sem parar – sobre sua vida dentro do futebol.

O capitão Coutinho e a Copa de 70

Cláudio Aguirre se formou na Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro, e lá foi professor durante a década de 60. Um de seus alunos foi Cláudio Coutinho, e depois iriam se tornar amigos, como mesmo classifica Aguirre, “meu irmãozão”. Foi Coutinho quem importou dos Estados Unidos as técnicas de preparação física do doutor Kenneth Cooper – é, esse mesmo do cooper – e começou a utilizá-las dentro do exército. Graças a ela Coutinho ganhou notoriedade. Mais tarde, essas mesmas técnicas foram aplicadas na preparação da seleção para a Copa do Mundo de 1970, no período em que o time ficou no Brasil.
- Ajudava na Seleção Brasileira em todos os treinamentos. Cansei de correr com o Tostão num bosque em Itanhangá.
Foi convidado pelo próprio Coutinho para integrar a equipe que ia para o México, mas recusou. Tinha acabado de se casar e imaginou que ia “acabar o casamento” se fosse viajar.
Quando fala do irmãozão Coutinho, o professor rasga elogios.
- Ele era um cara muito bacana, inteligente, gente finíssima, foi uma judiação ele ter morrido.
É nessa hora que ele muda o tom:
- Fui culpado da morte dele, não tinha nada que ensinar ele a mergulhar.
Coutinho morreu no final de 1981, quando praticava pesca submarina.

4 de ago. de 2009

A vida é uma Bósnia - II

O calor era infernal. Não havia nuvens do céu. As ruas estavam quase vazias às 15h00, quando eu ainda tentava me acertar com o mapa e descobrir mais alguns pontos famosos na parte histórica da cidade. Poucos turistas se dispunham a andar sob o sol que batia direto na cabeça. Eu não era propriamente um turista, mas juntei-me ao time. O ímpeto desbravador pediu licença e o hotel foi meu próximo destino.

Os Beatles tocavam no meu laptop enquanto eu descansava, ora olhando para o teto, ora decifrando caminhos no meu mapa. Eram 18h30 quando um canto vindo de fora, forte, eminentemente masculino, começou a encobrir Paul McCartney. O calor, aliado ao cansaço, impossibilitava qualquer movimento até à janela para tentar descobrir o que acontecia. Passaram-se cinco, dez minutos, e o som continuou, perdendo a intensidade pouco a pouco. Levantei. Não era possível avistar nada de onde eu estava, mas senti que as vozes vinham da rua que dava de frente para minha janela. Pedi licença, dessa vez a John Lennon, e, de bermuda e chinelo, desci para checar com os próprios olhos.

Logo na saída do hotel, dava para perceber que algo grande estava acontecendo. A avenida que terminava no meu endereço em Mostar estava tomada de gente. Atravessei e fui guiado pelo som, que ficava cada vez mais forte. Carros, só os que já estavam estacionados. Já conseguia captar detalhes de quem estava na linha de trás do grupo que andava no meio da rua - só homens, a maioria sem camisa e com uma garrafa ou copo de cerveja na mão. As pessoas na calçada, nas lojas e cafés pelo caminho paravam e davam atenção. Nenhuma tinha medo ou qualquer sentimento do tipo no olhar.

Continuei seguindo. De repente, eles pararam de andar. Eu os alcancei. Eram por volta de 300. O canto parou. Todos agacharam, menos um. O lugar escolhido foi estratégico: um cruzamento, entre o lugar que estávamos e outra avenida, de mão dupla. Aquilo chamava muita atenção. Policiais bloqueavam o transito, ao mesmo tempo em que vigiavam o grupo de certa distância.

O silêncio durou pouco. Quem estava de pé gritou algumas poucas palavras. Os outros responderam, economizando na frase mas não no fôlego. Veio outra incitação. Mais uma resposta em uníssono. Então, veio o chamado às armas, e todos levantaram, sem sutiliza alguma. Pulos, gritos, palmas e histeria. Uns jogam longe o copo de cerveja que têm nas mãos. Algumas garrafas saem rolando também. Outro, mais desinibido, abaixa as calças e mostra a bunda para os motoristas que aguardam aquela manifestação. Eu acompanho tudo da calçada. Desvio o olhar para ler o que está escrito em um cartaz pregado em uma árvore: HŠK Zrinjski (Mostar) x ŠK Slovan (Bratislava).

O campeão da liga da Bósnia Herzegovina contra o campeão da Eslováquia, ambos disputando uma vaga na Copa dos Campeões da UEFA. Eu não podia perder isso.



Gustavo Silva ganhou uma camisa retrô da torcida organizada do HŠK Zrinjski e promete acompanhar os resultados do time no próxio campeonato da Bósnia Herzegovina.

2 de ago. de 2009