Antigamente – não tanto tempo assim -, eu costumava escrever o que me vinha à cabeça, tentando ao máximo não me censurar. Claro, evitando alguns erros de gramática, como não-concordâncias ou coisas do tipo. Mas sempre dando mais importância para o conteúdo, e não para a forma, para a “embalagem” de meu discurso. (ou melhor, de meu pensamento transcrito). Transcendendo um pouco essa questão da escrita, também vejo que, para quase tudo, sempre dei importância à essência, ao “o que isso quer dizer”, e não para as aparências ou simples nomenclaturas. Não sei bem como me expressar agora, mas a sensação que tenho, de vez em quando, é a de que estou distante do que realmente importa, ou, melhor, do que os outros acham que realmente importa. Tentando aqui me recordar de momentos em que me senti assim, floresce na minha mente diversas situações em que praticamente não consegui encontrar, em mim, alguma opinião, ou, não opinião propriamente dita, mas um simples comentário. Não que eu tenha tirado meu corpo fora da discussão, mas é que – e é aí que quero chegar! – não havia se estabelecido discussão! Repare: a maioria das “conversas” em que nos encontramos são, na verdade, uma perfeita feira, onde cada pessoa expõe suas idéias, como em um estande, e, autoritariamente, diz em tom de “na minha opinião...”.
Por que tratar da música cientificamente? Por que querer explicar este ou aquele som, comparando este álbum novo com aquele álbum solo? Por que apenas falar de vendas de discos, mercado fonográfico, crise das gravadoras, ou se tal banda se enquadra na categoria emo, punk, new York hard core, ska, etc? Reconheço meu tom de desabafo, mas quando é que deixaremos de lado as burocracias, os relatórios, as papeladas de lado, e passaremos a discutir e pensar as emoções, as proposições, as idéias que estão por detrás de tudo. Sei também que parece difícil “pensar as emoções”. Então, melhor ainda, por que não apenas sentimos o que é feito para ser sentido?
Muitas vezes já participei de debates, ou mesmo conversas mais informais em bares, e, em meio a inúmeras citações de nomes de livros, filmes, CDs, autores de livros, diretores de filmes e bandas, saí do lugar com uma vasta lista de nomes de tudo isso aí, o que, ao meu ver, é positivo (chegando em casa, pesquiso na Internet sobre aquilo que ouvi e não conhecia), mas, se levarmos em conta que se trata de um debate, uma conversa, em que idéias e conhecimento devem ser trocados e compartilhados, vi que não aprofundamos em nada. Ok, sei que tal diretor é legal “porque é muito foda”, e que aquela escritora é demais “porque é muito louca, loucassa”. Mas, e daí? Deixemos o diretor e a escritor por um instante de lado, e comecemos a falar sobre as idéias do filme e do livro. O que você acha de um filme que começa contando uma história e acaba contando falando de outra? Quais as razões disso? O que você achou daquela personagem que, após matar a própria filha, entra num sentimento profundo de tristeza e depois se mata? O que você pensa sobre o suicídio?
A gota d’água para mim foi uma entrevista de emprego que fiz nas férias passadas. Na segunda fase do processo de seleção, que consistiu numa prova escrita, a proposta da Casa do Saber era avaliar a “formação cultural” dos concorrentes à vaga de monitor. Sentado numa poltrona muito confortável, recebi a prova, longa e, pensava eu, ávida por minhas respostas analíticas, nas quais eu poderia desenvolver reflexões, dar minhas opiniões, colocar no papel o que penso sobre, por exemplo, a crise da educação. Perguntas vagas merecem respostas bem reflexivas, assim como as perguntas não-vagas. Mas estava enganado. Na primeira página, para testarem meus conhecimentos literários, colocaram uma lista de nomes de livros, dos quais eu deveria escrever, numa linha ao lado de cada título, o nome do respectivo autor. Tipo show do milhão, só que concorrendo uma vaga de monitor na Casa do Saber. Ok, evidentemente, uns nomes eu sabia, e, o que mais me surpreendeu, alguns livros, de que eu sabia o nome do autor, eu sequer havia tido em minhas mãos um exemplar para folhear. Certamente, quando a pessoa que aplicava a prova saiu da sala, nós, os concorrentes, nos olhamos entre si, com aquela cara de “putz, não acredito que fizeram isso.”. Depois da listinha, nossa!, outra lista: só que agora colocaram os nomes de alguns artistas, dos quais deveríamos saber (Casa do “Saber”, sacaram?) quais os movimentos artísticos eles haviam pertencido. E eram artistas variados: artistas plásticos, músicos eruditos, escritores... Fulano era parnasiano ou não? O outro era filósofo positivista? O relatório do saber continuava com mais “show do milhão”: o que foi a Bauhaus? O que significa CERN? O que foi o movimento Punk? Cite um cantor.
Não sei, mas até que gostei. O que não sabia, fui anotando; cheguei em casa e pesquisei. Mas, sinceramente, penso que é mais importante “pensar sobre” do que “saber que é assim”. O jornalismo tradicional é muito assim: nós informamos o cidadão, objetivamente, e as reflexões, bem... não dá tempo. Essa superficialidade, transvestida de uma falsa sabedoria, me preocupa.
Um comentário:
Resposta a seu texto: o texto que te passei pelo msn, o filme de dylan e converse mais comigo, pensamos exatamente igual. Vamos fazer um jornalismo diferente, movimento anti-lead.
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